segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Free Violence

Sem ter o que dizer mais uma vez recorri ao bom e velho grito dos garotos. O grito dos garotos contra o mundo:

"Fico imaginando quem roubou nossa inocência. Tento descobrir a quem culpar. Como nos velhos tempos, dedos apontados. Sendo positivo na melhor das intenções. Veja os garotos ainda estão aqui, gritando por mudança. Veja, eles ainda acreditam" - Dead Fish




Hateen

* * * * *

Há tempos eu venho levando tiros. Sem muleta, nem ecravidão, nem esperanças mentirosas, os tiros hão de sarar
... Free Violence

domingo, 21 de novembro de 2010

Linha do Contrabaixo...

Na falta do que dizer, e realmente eu não tenho muito a dizer ultimamente, recorro as palavras chulas e razas de uma poesia renegada pelos poetas escrotos de academia. Besteirada de moleque. Um monte de palavras encarrilhadas só pra tentar seguir a linha do contrabaixo. Papo daqueles garotos de merda que não tem nada na cabeça e vive com o relógio quebrado esperando a próxima derrota pra tirar sarro de si mesmo. E numa hora dessas só me vem uma frase clichê na cabeça "É a vida... fazer o que!?" - pode chamar de babaca, é justamente isso que eu queria publicando essa bobagera toda (rs...)

* * * * * *

Estava tão triste
Quando você me disse
Que havia algo de errado entre nós
Meu mundo girava e o seu controlava
O que havia de errado no meu
Eu desci as escadas, as velhas escadas
Sem medo de olhar o que eu deixei pra trás
Eu continuo do mesmo lado
E não vou mudar minha opinião
Tênis furado e alguns trocados
Relógio quebrado e poluição
Eu senti em minha volta a dor da derrota
Quem foi que escolheu
Sobre os meus próprios passos
Vou caminhar
Sobre os meus próprios passos
Nunca mais vou errar

* * * * * *

Quando eu mais precisei, nunca mais eu vi você. Foi dificil esquecer.
Tanto faz, nem pensei. Só o tempo irá dizer. Não tem como entender.
Hoje eu tenho que esperar, Mas meu dia vai chegar...

O mundo dá voltas. Não posso mais parar. É só correr atrás. Nem tudo mudou. Não quero mais pensar. No que ficou pra trás. E nada faz voltar...

Quando eu estava ali. Sem saber pra onde ir... é melhor nem lembrar.
Sempre penso em conseguir. Nunca penso em desistir. Deixo a vida rolar.
Hoje eu tenho que esperar, mas meu dia vai chegar...

O mundo dá voltas. Não posso mais parar. É só correr atrás. Nem tudo mudou. Não quero mais pensar. No que ficou pra trás. E nada faz voltar...

* * * * * *

Espero contar com a minha sorte, ou pedir pra Deus, com a certeza da incerteza do amanhã. Como se fosse a última vez... Sair sem saber a que horas vou voltar, se vou voltar! Como se fosse a última vez. É isso! Abrex...

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Homicidas - Parte 2


Roque sabe, não se lembra quando ouviu que na parte mais baixa, depois do soalho da velha casa de madeira onde mora, depois do espaço aberto entre a madeira e a terra, dentro da terra precisamente é onde se escondem. Ali, disseram seus vizinhos – era um cemitério de crianças. Era o lugar onde aquele velho alemão, na época com uns cinqüenta e tantos anos, enterrava seus filhos que nasciam mortos. Ele não sabia por que, poderia ser um problema genético dele ou de sua mulher, certamente era algo que ele não conhecia. Tentaram pelo menos umas seis vezes, em todas, a pior possibilidade se repetiu. Ela abortava espontaneamente no sétimo mês, ou do sétimo para o oitavo mês de gravidez e ele não sabia o por que. Sua bela mulher, cabelos negros e grossos, uma autêntica descendente direta de italianos que migraram para o Sul. Imagine que belas crianças teriam. Na igreja, repetidas vezes viam crianças serem apresentadas, pais agradecidos pelo filho nascido. Em seguida olhavam para dentro de casa e lembravam-se da terra maldita abaixo do soalho. Era o fim. E ninguém sabia por que aquilo acontecia. O velho alemão quase desistiu de ter filhos com medo de ter de enterrá-los, mas numa manhã, sua mulher levantou-se, pegou o velho banquinho de madeira foi sentar na varanda para ler um livro. Quando se abaixou sentiu uma leve pontada na barriga, foi então que percebeu – estava grávida outra vez. Ela teve uma menina, que poderia ficar grande, alta como o pai, um gigante poderia se dizer. Mas seu rosto não era como dos gigantes, não como os germânicos, rostos compostos por falanges duras como suas frentes de batalha, os guerreiros gigantes do norte. A menina era perfeita, uma autêntica latino-americana. Tão logo a menina completou um ano, mudaram-se para uma nova casa, mais ampla, com piscina. Foram felizes pode-se dizer, mas em poucos meses a mulher morreu e o alemão se viu novamente sozinho e agora com uma criança no colo. Ele ficou triste, completamente arrasado vendo sua idéia de família perfeita explodir no ar. Fodido, mas não a ponto de coçar sua cabeça durante a direção e virar o volante rumo às vias que levassem para a antiga casa de madeira. Nem mesmo dentro de seus circuitos mentais mais profundos queria lembrar que aquilo existiu. Às vezes sonhava com as criancinhas, mas nunca via os rostos delas. Um dia enquanto olhava sua menina no portão de casa ele a chamou e ela então olhou para trás, mas não tinha rosto, o velho alemão ficou louco e evitava olhar para a criança desde então. Mas isso era impossível, ela o forçava olhar e ele não via mais seu rosto, assim como os irmãos dela que ele nunca pode conhecer as feições. Com medo de que esse fantasma de carne e osso fosse persegui-lo para sempre o velho acertou a pequena com uma faca de cozinha na cabeça e em seguida cortou a própria garganta e morreu sufocado com o sangue. Roque não sabia de tantos detalhes, isso porque nunca tinha visitado a mesa da casa da vizinha onde estes requintes de crueldade pairavam no hálito das conversas. Ele apenas ouvia de longe um ou outro detalhe do velho alemão desafortunado e desgraçado saindo da boca da vizinha em direção a alguém de sua família, sempre Roque ouvia de longe. Mas esta madrugada era a primeira depois de descobrir na casa do cachorro um osso idêntico a um fêmur, só que miniatura. Vomitou pelo menos umas cinco vezes, nas três primeiras alguma parte do bolo alimentar voltou, mas nas duas últimas foi apenas contorcionismo de abdômen. Não teve coragem de voltar e tirar de lá, muito menos contar para alguém. As dividas impediam qualquer mudança daquela casa naquele momento e caso fosse verdade quem sabe poderiam requerer um desconto na imobiliária ordinária que os agenciou o negócio. - Cemitério de crianças, que horror! - gritava sem emitir som. Como poderia provar? Quem iria cavar aquela porra? A testemunha ocular do único artefato que provaria as histórias da vizinha colocaria os fatos na mesa? Ele teria coragem de se lançar nesta tentativa macabra de provar a merda toda e ganhar algo com isso ou simplesmente ficaria calado?
- Que merda, que porra, que porra do caralho! – corta o cérebro por dentro sem pena.

j.a.


Esquece de tudo. Talvez seja apenas uma mentira fedorenta dessa vizinha fofoqueira, talvez seja uma coisa que ela mesma tenha feito em baixo do soalho da casa dela, talvez seja menos, seja apenas uma história que tenha lido em algum livro de merda, um livro tosco destes de terror vagabundo e alucinógeno demais para ter alguma coisa de verossímil. É, pode ser, pode ser pior ainda, poder ser a trama de um filme, daqueles de segunda linha, produções menores dos estúdios americanos. Terror barato que não tem nem a autenticidade de um trash do Zé do Caixão, nem efeitos especiais suficientes pra preencher a imagem. Uma bosta fresca toda vez que você liga a televisão de madrugada num canal de horroshow. Talvez seja apenas isso, e portanto não tem importância, e mesmo que o soalho da casa seja um cemitério de bebês que não chegaram a ser nem recém nascidos, e daí? Qual é o problema? Estão mortos, já era! Só resta um problema (o ossinho) e duas testemunhas. - Tudo que pode ser feito de manhã fica sempre mais caprichado, afinal é só uma noite até que o único indício da terra maldita suma e então não haverá provas materiais de que ele existiu. Apenas duas testemunhas. Pela manhã desceu as escadas foi até o quintal depois que todos saíram e com uma pá pegou o ossinho jogou dentro de um saco e colocou no porta malas do carro. Só restava o último ato e o primeiro crime (isso porque ocultar uma prova não é crime até que descubram). Colocou uma faca de cozinha no bolso, tirou o carro da garagem, mas antes de fechar o portão chamou o cachorro para dentro do veículo. Trancou a porta e seguiu rumo a região do lixão onde pretendia despejar o cadáver do animal.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

No pregador

Texto e foto: Zé Beto

Um dia me compraram. Eu não sabia como cheguei àquela loja. O velho de cabelo branco me pegou com a mão direita enrugada, jogou dentro de uma cestinha, pagou, me enfiaram dentro de um saco plástico e aí fui jogado no banco de trás de um carro velho, desses que andam sacolejando. De repente estava na boca da cadela. Ela nem me cheirou. Abocanhou e me levou para um corredor lateral da casa onde havia uma nesga de terra. Vi ela cavando um buraco na terra preta. Pensei: me fudi. Ia ser enterrado vivo, ou morto, ou sei lá o que porque sou um boneco peludo que imita um... um... cachorrinho. Tem amigo meu que levou sorte. Vi comprarem no supermercado e entregarem para bebês. Eu, não! Me deram para uma cadela mimada. Sim, ela é mimada. O velho dá comida na boca, viciou-a em chocolate e ela só não sobe na mesa por falta de vontade. A cadela dorme com ele na cama de casal. Substitui, no momento da siesta, a dona da casa que foi embora. Mas, como eu dizia, a cadela queria me enterrar feito os ossos que ganha quando o velho vai a uma churrascaria. Ele sempre traz e, às vezes, quando almoça em restaurante que vende a quilo, compra comida especialmente para ela. Fui salvo porque ele veio atrás e disse para ela não fazer aquilo, que era um brinquedinho, etc. Acho que ele está tentando tirar o pecado que cometeu de nunca ter colocado a cadela para fuder com cachorros. Tanto carinho, tanta paparicação, e a cadela nunca soube o que é um pau. Por isso enlouquece cada vez mais no cio. Se deixarem, ela destrói a casa inteira. Seu principal passatempo e ficar se esfregando feito uma doida alucinada num pano sujo que enrola. Ainda bem que o velho me tira do circuito nesse período. Senão não estaria contando isso para vocês.

Acho que ele pensa que eu posso substituir os filhos que ela não teve. Coisa de doido! Acho que ela gostaria que eu tivesse um pau enorme para trepar com ela. Eu tenho forma de cachorrinho. Miniatura. Mas não tenho pau. Passou um tempo e ela nem ligou mais pra mim. Só quando aparece outro maluco, que eu nem sei quem é, mas que não gosta da cadela e que, por isso, me dá uns bicos para ela correr atrás. Se ela me prende na boca, quando me baba todo, ele tenta arrancar. Qualquer dia o maluco vai arrancar minhas pernas, ou me dividir no meio. Ainda bem que aparece pouco na casa. Mas foi ele que recomendou que o velho me lavasse. Eu era branco. Fiquei sem cor. O velho lavou e me pendurou no varal. Um pregador cor de rosa me segurou no fio de naylon. Aí acontenceu. Me esqueceram aqui. No começo doeu. Não o nariz, porque eu não sinto isso. Mas a solidão. Depois fui me acostumando, mesmo porque daqui posso ver a lua, o sol, tomar banho de chuva, etc. Já faz mais de mês que estou assim. Gostaria de ficar para sempre. Mesmo porque, tudo me irrita na cadela, principalmente o nome estrangeiro que tem.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Homicidas – Parte 1



ele só queria ver mais televisão, não programas selecionados, escolhidos a dedo, queria ver as merdas e sacanagens que passavam longamente nas tardes, do jeito que acontecia quando era criança. a putaria, a zueira toda, o gosto pela bobagem, pelo ócio desconstrutivo. não ficar se cobrando para tentar entender como as coisas realmente são, para que lado a terra vira, para onde essa maldita política economica vai levar o nosso pais. queria simplesmente sentar e olhar, paralisado como um tetraplégico em sua cadeira de rodas. queria fazer de seu sofá de apenas um lugar uma verdadeira cama, onde se espreguiçaria desconfortavelmente até encontrar mirabolantemente uma posição confortável. os canais eram trocados um a um até que encontrou o pior programa possível, o mais escroto e nele estacionou. o som do vizinho cortando a grama, os carros que passavam na rodovia, as malditas crianças que corriam na casa que era vizinha de fundo com seu prédio. tudo isso contribuía ainda mais para sua dificuldade de ficar inerte, vegetando. mas Roque não desistiu e se concentrou para permanecer oco.

o programa da TV era simples e bizarro, pessoas correndo atrás de porcos com coleiras coloridas ostentando a pontuação que o participante alcançaria se pegasse um deles. era simples. correr atrás do mamífero uivante, agarrá-lo em meio ao seu esperneio sem fim, o esperneio de morte, e colocá-lo dentro da pequena jaula de cerdas de alumínio estreitas. ao fim de sua caçada o participante, como era de se esperar estava todo sujo de lama e mantinha um meio sorriso em sua boca, um melancólico sorriso fingido, parecia estar feliz apesar de tudo. prêmios variavam entre pequenos, médios e grandes, sempre dados em cheques gigantes que não valiam nada (na verdade deveriam receber em dinheiro vivo atrás dos bastidores, mas o fato é que deveriam sempre receber muito menos do que era informado aos telespectadores).

depois de manear o controle e finalmente chegar ao ápice do tédio, tudo aquilo lhe causou prazer e para coroar este momento áureo, Roque correu ao banheiro, se trancou e concentrou-se mais uma vez para poder seu pau levantar e se masturbar e se contorcer até que gozasse e sentisse cãibra nas duas panturrilhas. lavou as mãos e o rosto e saiu sem emitir um único som. voltou a varanda e observou seu velho vizinho que aparava sua grama, cuidava de seu quintal, molhava suas roseiras e sentiu pena do velho, pois por sua aparência imaginava que não mais podia ter ereções, ou pior, nem quisesse mais tê-las. sentiu pena e ódio a ponto de querer matá-lo, de querer enfiar aquela roçadeira no pescoço rugoso do velho careca e ver o sangue esvair e a vítima agonizar até o último segundo, até que o último sopro de vida lhe saí-se pelo nariz, mas ao invés de correr e atravessar os cinquenta metros (ou talvez fosse 75 ou um pouco mais) que separavam do outro lado da rua, Roque apenas sorriu, um leve sorriso, um meio sorriso, que poderia dizer duas coisas, medo ou violência, falcatrua pura.



j.a.

coçando suas costas com os nós dos dedos, voltou e reclinou seu corpo magro novamente sobre a poltrona marrom, móvel de uns trinta anos ou mais que já tinha suas espumas e molas demasiadamente gastas para fornecer qualquer que fosse o descanso. o telefonema nunca vinha, tinha medo de que Santana estivesse adormecido e que pudesse ter esquecido que dali alguns minutos deveriam se preparar para guerra. a televisão e os porcos correndo atrás de mamíferos inocentes porém imundos por natureza não o entretinham mais. foi então que decidiu comer algo, foi até a cozinha e encontrou algumas bananas-maçãs maduras. contou-as em rodelas, colocou em uma tigela de plástico branco encardido e jogou sucrilhos em cima. leite e uma colher antes de voltar e sala e ligar o rádio que tocava uma música dos secos e molhados. logo trocou de estação, enojado por causa da viadagem e pelo tom prateado da voz do cantor. comeu rapidamente porém meditando em casa floco, seu gosto macio, suas nuances de forma, pequenas cápsulas doces e umedecidas.

cansado de esperar resolveu ligar para o comparsa, mesmo sabendo que esta era a milionésima vez que faria isso naquela tarde dominical e mesmo sabendo que a resposta seria a mesma - estou a caminho. O telefone finalmente toca, Roque atende, é Santana.

- Tudo pronto?
- Claro!
- Vamos cortar o corpo e jogar onde?
- Vamos queimá-lo, eu acho - replicou Roque.
- Ok, nos encontramos na frente do seu prédio - Santana repete a coordenada.
- Ok então!

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Aceno

j.a.


quem é o safado aqui? a conversa é aberta com esse grito interno, que pela boca passa como assobio baixo, contido. uma coisa ficou presa na garganta, ela quer explodir e quando ganha o nervo do braço esquerdo acaba em forma de murro na parede. a mão sangra e o sangue escorre, um carimbo vermelho borrado nos ladrilhos. então outro soco, com a outra mão e agora de lado, é desferido contra a mesma superfície. a força não é suficiente para romper os tecidos superficiais da pele, mas consegue quebrar em várias partes os ossos que vão do dedo mínimo até o antebraço. resta a cabeça. aguenta três golpes, as têmporas chocam contra o concreto manchado. cai inerte, sem tremer uma só vez. violência com as próprias mãos. o fim grotesco de cinco horas de gritos contidos no banheiro. repetições e mais repetições, as mesmas dezesseis letras sussurradas milhares de vezes, quicando nas paredes, no chão e no teto do cubículo com uma única luz que vem da clarabóia. violência com as próprias mãos. só quando o barulho do punho esquerdo, na queda, que acerta e quebra a base de uma das folhas de acrílico que compõe a divisão entre a área do chuveiro e a da pia/privada é que se dão conta. o aceno é secreto.



j.a.

as mãos chamam atenção, não se sabe porque.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Teto preto

Ciudad Juarez







naquela noite o menino teve alguns sonhos. ele conheceu alguns filósofos, antigos escritores, um russo e o outro alemão, os dois com seus respeitosos bigodes e ele se incomodava com eles, achava antiquados demais. mesmo com esse asco, ele não correu dos velhos escritores, ele permaneceu próximo, observando caninamente como se movimentavam, como conversavam. o menino não sentia nenhum tipo de simpatia por eles, apenas os observava para quem sabe descobrir o que pensavam e então como agir diante disso. então os dois começara a falar sobre suas pretensões para o futuro vislumbrando como conseguiriam viver, como seria o mundo se as crianças de hoje estavam perdidas em ilusões coloridas. então o menino que se sentia ofendido com aquelas palavras continuava olhando e eles permanecia impávidos conversando. sem prestar atenção na música que os rodeava, estavam quase perdendo sensibilidade no tom. o menino então mergulhava num sono obscuro e ficava lá por um tempo que ele nunca conseguia determinar, apenas se dava conta de si novamente quando já estava dentro de outro sonho, outra narrativa curta. os cinco segundo mais alongados de todos os tempos. e dessa vez o lugar era menos escuro, mais suave. era um lugar aberto, um descampado por onde se estendia uma gramado ondulado que ia até uma linha infinita a sua frente. o sol era forte de modo que boa parte da paisagem se via em pequenos recortes feitos no tempo do abrir e fechar de pálpebras para proteger o globo ocular. dessa vez o menino falou, mas o diálogo foi rápido, ele disse não mais que seis palavras. ela disse três, certeiras... um medo crônico que se dissipou em não mais que um segundo e o menino quis olhar de novo e ela estava lá, sem desviar o olho. que recorte, que pintura. e então veio mais algum tempo de escurecimento, de teto preto, de saco de areia pesando nas costas e ele aparecia em outro, num cenário novo, e dessa vez foi menos verossímil do que as demais, ele demorou mais tempo para descobrir onde estava e quando foi tateando o olho devagar viu um guarda-roupa marrom e depois viu outro igual do lado, então sentiu as costas e viu a cama, era o quarto. pisou nos chinelos, andou dois cômodos até a cozinha e bebeu dois copos de água. nesse mundo existe muita confusão, pensou. votou a dormir até as 6h00 da manhã pra acordar e andar de bicicleta.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Rodinhas de gel

foto: Roberto José da Silva

com seu patinete por uma ladeira que chega à ponte do rio, o menino vai sem medo da descida. ela sempre parece mais perigosa na boca dos outros. no fundo ele sabe que algumas dessas insinuações, sobre o perigo que existe naquele descida, são reais, só não são tão alarmantes como dizem. então ele vai, com as rodas de gel tocando aquele asfalto fumegante, é verão, inicio do verão. a temporada de chuvas ainda está um pouco distante então ele aproveita todos os dias para descer com seu veículo de duas rodas pequenas. ouvindo uma música agressiva ele desce sem medo. nas laterais de sua visão está o bolsão esquecido. casebres velhos, lixo nas calçadas, pessoas que dormem por ali, em plena luz do dia com seus cobertores maltrapilhos e cheios de fedor e ácaros. dermatoses salientes, manchas na pele, é meio assustador e fedorento. existe a possibilidade de o nariz acostumar. o menino tranca a respiração toda vez que passa por alguns trechos da descida. é involuntário, ele vê ao longe a carniça e calcula sempre o tempo certo para simplesmente respirar fundo e trancar a respiração em seguida, é discreto, não desperta o olhar dos zumbis que por ali vagam, nessa chapada ensolarada, nessa ladeira com ar comprimido entre as fileiras de sobrados mal construídos, obras inacabadas e toscas, asfalto cinza com faixas amarelas e lixo pra fora dos sacos pretos, espalhado na rua, cheiro de zumbi espalhado, vagando, errante. essa descida tudo isso abriga e de tudo isso é feita, não adianta andar três quadras a dentro, para a esquerda e para a direita, vai ser a mesma merda, o mesmo cheiro e a mesma paisagem, mudam apenas as cores do acabamento das paredes. o menino desce, seu ponto de chegada é no fundo de vale, onde passa o rio, mas ele não quer se molhar, quer apenas olhar a água suja de cima da ponte. água fedorenta. o rio está assoreado, quase morto, talvez nem mereça mais o título de rio, é apenas um canal com leito esfalecendo. são no total duas pontes, uma na rua principal, outra uns duzentos metros de distância, servido de assistente a uma estrada paralela que leva aos prédios ricos da face sul da estrada. pela via principal não se pode acessá-los. uma grade está instalada para que os zumbis desbotados não entrem. antes é necessária a triagem pelo portão vermelho/bordo com arestas verdes. o menino pela centésima vez faz o trajeto e se sente tranquilo como em todas as outras. cruza um ou dois zumbis, os encara, olha no olho, mesmo que isso não seja possível. os olhos dos zumbis que habitam essas redondezas são rápidos estão sempre em movimento. mas mesmo com essa variante somada a velocidade que o patinete ganha a cada segundo, o menino encara pelo menos dois ou três dos zumbis errantes. não todos que cruza é claro, ai seria querer sofre e se aterrorizar demais. ele se fixa em poucos e suficientes. a experiência é proveitosa quando se sabe o momento de parar, o momento de se abster. ele então despreocupadamente chega ao fundo do vale e lá se sente diferente mas ao mesmo tempo igual, talvez seja essa a sensação causada pelo costume, ele se acostuma com o ambiente, a descida é pegajosa o suficiente para lhe causar algumas impressões e ele se acostuma com o ambiente, com o clima e com o cheiro mesmo sabendo que vai sair daquele lugar dali alguns instantes. não se sabe ao certo, mas ele talvez deseje degustar aquela descida. quando atinge o fundo de vale e vê a planície que se constitui nos próximos metros da rua, ele sente o patinete ir perdendo velocidade e então a frenética descida chega ao fim e da espaço a um caminhar mais calmo. os prédios grandiosos cercados de grades e com acesso e ponte exclusivos que por ventura poderiam ser seu objetivo inicial antes da descida, antes de todas as vinte vezes que fez esse trajeto na área dos zumbis, agora são quase passado, ele vê que no fim daquela planície ainda existe asfalto, aquele lugar já não é tão distante como parecia, a rua ainda é pavimentada. quando vê que suas rodas de gel estão desgastadas pelo sol e pelo calor, mas não tanto como esperava, percebe que é hora de rodar mais um pouco a frente e ver no que vai dar isso. ele então sente um leve gosto de deixar sua adorada e fedorenta descida para trás e ver o que tem atrás da planície no fim da rua. finge que não ouve a mãe chamar, ele não quer voltar para casa agora. e segue então para explorar cinco ou dez quadras que existem pra frente do fim da rua. ele se sente um explorador urbano, então toma uma decisão, vai correr até onde as duas rodinhas de gel aguentarem.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Maresia da tarde


Divisa natural entre os morros

O carro negro corre. O cambio curto e maleável, nas subidas tende a não morrer, parece que morre, mas são apenas espurgos de ar, uma inspirada direta que resolve o problema. Um soco no ar morro acima, escorregando em algumas pedras soltas com o estomago cheio de carne de uma churrascaria de quinta. Uma leve parada para a maresia da tarde. Uma e quinze, o sol ainda brilha alto, e tudo é tão claro que é difícil acertar a abertura da retina, as pálpebras ficam ágeis e se fecham afirmando que querem um descanso para enfim lacrimejar, lubrificar a face interna da pele que cobre o olho.

Uma corrida em media velocidade para detrás de onde pousam os aviões, de onde saem os vôos pesados e distantes. Couraças insustentáveis que simplesmente mentem para o ar, mentem para o ambiente e mesmo quando todos acham que vai decair um pouco que seja em uma de suas laterais, ele sobe soberano, explosivo e com uma vontade que é infinitamente maior do que as pequenas e frágeis estruturas que o compõem por dentro. Talvez seja o torrencial sopro vindo de murmúrios de bocas distantes, que estão no fim do continente, nos morros costeiros que dividem duas porções globais de água. De lá vê levantar o vento que faz esses barões dos ares terem esse nome, olhando para tragédia que se instala nos descampados que rodeiam sua subida.

Um ou outro espasmo na respiração antes de pedalar pelo gramado que rodeia o aeroporto, no fim da avenida dupla, cheia de sinais, cheia de semáforos e com o asfalto listrado de cinza. O vermelho é sempre assim, ele vem e te encontra no meio da tarde, no meio da noite, no fim, na divisa natural entre os morros. Um vermelho natural e pegajoso. Mais uma outra daquelas explosões, uma menos sensata e mais realista.

sábado, 17 de julho de 2010

Explosões travestidas



Centenas de caminhões que andam entre 80 e 100 km/h.

As pessoas precisam de uma roupa nova. Elas devem conhecer o conforto de cada umas das texturas dos mais diversos tecidos. As cores são importantes é claro. Os desenhos, a composição deles é imprescindível, eles devem estar afinados, cantando harmoniosamente a ponto de serem simples. Não deixando de lado nunca o fato de ter de ser surpreendente. O desenho a mão livre. A liberdade de andar, caminhar vagarosamente pelo crepúsculo noturno, a chuva fina, o vento gelado e forte que chacoalha os galhos de alguns eucaliptos. Andar lá fora e sentir-se confortável dentro de uma moletom, uma calça, cueca azul claro e um macio solado de borracha. Olhando sempre os buracos na rua e as manobras em alta velocidade entre milhares, centenas de caminhões que andam entre 80 e 100 km/h.

No começo era mais simples. Não sabendo encaixar as peças direto. Como único companheiros, somente o medo de ter que voltar e perder o tiro sem nem mesmo tentar. Sem poder saber se era a cabeça do adversário ou a sua que sangraria com uma explosão de carne queimada que descola da face oposta do crânio, o buraco por onde sai o projétil. O tiro certeiro. Eu tenho medo e quanto mais perto estiver dessa visão, menos ela me assombrará. O medo de que ela venha e sem pedir, me leve embora. Quero ver o que acontece quanto tudo ainda é recente, quando ainda está quente. Quando as coisas escuras estejam presentes apenas em pequenos flashes. Visões com pouca luz na noite perdida naquele bairro escuro e tão longe. Lá onde o triste fim é escrito a tiros no coração da mãe que grita na encruzilhada a morte violenta de um menino de uns 17 ou 19 anos que naquele dia perdeu. São apenas explosões travestidas.

domingo, 6 de junho de 2010

Pescoço e o machado


dores nas costas e no pescoço. um rocambole de cobertas enroladas preenchidas de uma pessoa oca e sem sono. depois de vinte tremedeiras seguidas, a acomodação. incomodado com a lista de pedras a serem explodidas com dinamite acionada pelos botões, sensíveis ao toque da digital. perdido mais esta vez numa flutuante virtualidade derivada da escuridão.

os olhos, fechados ou abertos não importam. tudo é tão silencioso, frio e anacrônico. alguns gritos mais uma vez expelidos de bocas uivantes na madrugada. são certamente mais de três da manhã. não ao certo talvez, mas é a hora exata dos início dos berros, dos rasgantes sons emitidos por bocas desesperadas. em pânico, tristemente pedem por favor que as tirem deste mar emareado de envolvimento, perdido com mastros, mas sem velas. tantos outros no andar superior expandem sem medo de desligar a luz apertando o interruptor. as imagens idas na fumaça que vai e vem da janela.

explosions in the sky

os riscos de luz vindos do reflexo do vapor não assustam como já fizeram a tanto tempo. deixaram o cargo de vilões e são caríssimos amigos agora. conduzem a uma calma sem perder de vista a pena que lhe vai fazer ter as maldita dores nas costas.

Indo em busca de alimento, em busca de algo simples e rápido para se comer vem a nociva notícia. a história que realmente causará o abalo do dia. a estrondosa situação marcante dentre tantas outras sangrentas que rolaram ao seu redor, na região metropolitana de seus sentidos, tangentes e alheias que lhe passaram com naturalidade e com pouca definição.

Todo homem tem que sofrer os malditos reflexos de suas ações imperfeitas. ele sabe que vai perder um dia a razão que deu a seus sentidos, a sua autonomia mentirosa. ele paga cada centavo, sem arregos terrenos como desconto automático em conta nem o limite do banco. estas possibilidades estão todas amarelas, pintadas em sépia. um jovem, um jogador, um ladrão honrado, todos sabiam, mas ninguém falava, esperando a hora de dizer sorrindo. um único tiro. uma única assinatura. entre o machado e o pescoço muitas coisas podem acontecer.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Horror



1.


os dois se encontraram no lado de cá da ponte. no horário marcado. tudo estava pronto para a viagem. mercadoria camuflada, tanque cheio e apenas duas armas. uma para cada um, o muambeiro podia ficar sem. ambos suspeitavam da dificuldade que ele tinha de se localizar, não poderia ser diferente com uma arma na mão. subiram no ônibus imaginando que podiam morrer ou pior, serem pegos. levaram consigo 30 munições. mal sabiam que iriam precisar de mais. as coisas não seriam como uma brincadeira de correr e atirar para trás. sem saber, alimentaram a opção de que daria certo, de que chegariam, de que o dinheiro receberiam. tudo ilusão, como putas ou restaurantes de fast food na beira da estrada.

* * *

2.


Eu sou pobre

Minha família é pobre

O mundo é pobre e mesquinho

Todos são ladrões

Vivem da escuridão

Com a angústia alheia se alimentam

Eu sou pobre

Decretem a linha de tiro

Projétil com sangue

Eu sou pobre

Atirem!

* * *

3.


Desta vez o deslocamento chegou ao extremo, mas pela primeira delas consegui ver no escuro, mesmo que isso custasse a moral, a credibilidade e todo o resto que achava que tinha. medo em todas as ações. apenas a pequena vontade de sair gritando como um maníaco que precisa urgentemente de uma camisa de força e de sedativos. mesmo assim conseguir não parar de pensar. Alguns gritos realmente aconteceram, mas eram bem mais modestos e contidos que nem fizeram efeito na turba de acusadores que povoam a sua casa e principalmente sua cabeça, suas conexões mentais. estes ladrões de energia. assaltam o que tinha de mais interessante. não admita que não deixem pensar no que quiser, na atrocidade, na cena mais podre que possa criar dentro da sua cabecinha fedorenta. tomado de surpresa cedeu as investidas criminosas destes que só queriam roubar seus pequenos segredinhos cabeludos para usá-los contra depois, num dia em que tivesse desatento. Comeu uma, duas, três vezes, mas o resultado era sempre o mesmo, perseguição mortífera.

* * *


postagem nº 100

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Eco digressões


Olá, boa noite

No programa de hoje falaremos sobre atitudes e soluções sustentáveis que vão mudar seu cotidiano, como por exemplo, melhorar seu ambiente domiciliar e profissional. Para falar disso temos hoje em nossos estúdios a presença do escritor e jornalista Sasá Godoy, que lançou recentemente o livro ‘Soluções sustentáveis para a vida cotidiana’.

- Sasá, quais as atitudes e soluções sustentáveis que podemos adotar no nosso cotidiano?

- Teria uma lista enorme de ações, mas definitivamente comer bacon não faz parte dela.

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domingo, 23 de maio de 2010

Janela que dá para rua


Stencil brick

eu só preciso começar e dai pra frente as coisas vão fluir, eu sei, parece até clichê dizer, mas eu só preciso dar o primeiro tiro, a primeira rajada fumegante em direção ao fim dos 20 quilômetros mais longos dos últimos seis meses. é meio desafiador, isso eu não nego, mas no fim será extasiante eu acredito! uma lastima perceber que as pessoas costumam dar pouco valor as coisas que realmente interessam. um dia desses quem sabe os humanos deixem seu lado menos compulsivo aflorar mais. quem sabe quando este dia chegar os terráqueos possam olhar com mais calma para as coisas que os cercam, possam não somente olhar, mas parar e digerir. não é
a toa que os sistemas mais eficazes na produção criativa precisam de um tempo para compreender o que os afeta e em que parte se devem demora mais tempo. sinto falta dos meu livros emprestados. não porque vou usá-los imediatamente mas acho que eles deveriam estar aqui comigo me servindo de referência. eu me sinto meio perdido, preciso de uma mapa ordenado linearmente, da esquerda para a direita sobre papel físico. eu tenho medo de me perder, mesmo que este medo seja inconsciente ele existe e eu sei muito bem disso. chega por hoje, quero ler meu livro preferido do momento, mesmo sabendo que amanhã terei esquecido que ele existiu para mim. só pra eu não esquecer, o mundo é bem mais do que isso, não me deixe bitolar de novo, eu não quero mais! ta passando rápido demais essa merda toda... estou embalado e bêbado de vontade de subir ao andar superior e ter um encontro surreal com a loucura na escuridão. a janela que da para rua vai ser minha companhia.

domingo, 16 de maio de 2010

Psychedelic alkaloid for meditation

eu estava deitado. meus ossos e músculos doíam e eu não conseguia achar uma posição confortável para poder dormir. eu não conseguia dormir. mesmo que fechasse os olho eles pareciam estar abertos. eu estava dentro de uma nuvem preta com flashes de várias cores explodindo. indo e voltando. algumas vezes pareciam estar fixos, mas logo que eu focava os olhos sobre um deles, então todos mudavam de lugar. foi então que comecei a sentir medo. eu abria e fechava os olhos naquela escuridão e parecia estar sempre na mesma posição, como se não tivesse me movido desde o momento em que me deitei para tentar amenizar as dores dos meus músculos, das minhas costas, dos meu ossos, mas nada passava. ouvia vozes e elas pareciam sempre distorcidas. algumas vezes pareciam ser de alguém triste, um choro desesperado. mas logo mudavam e seu autor parecia agora uma pessoa com muita raiva. comecei a confundir de vez o que era raiva e desespero. por fim me via novamente tomado pelo medo de nunca mais poder dormir, de simplesmente nunca mais sair daquela escuridão cheia de raios coloridos e daquele sons que iam e voltavam.


eu corria, andava sem rumo por todo aquele gramado negro e me confundia se ele era um simples planalto com pouquíssimas árvores ou se era uma bolha sem fim. uma bolha gigante de plástico e para onde quer que eu corre-se, para qualquer lugar onde eu me jogasse eu nunca mais me machucaria, eu enfim estaria seguro e então poderia fazer simplesmente o que eu tinha vontade naquele momento. e o que eu mais queria era correr. correr e me jogar no infinito daquele tapete preto e sentir cada milímetro da queda até o chão e quando lá chegasse, mesmo vendo a superfície sólida e dura do concreto eu simplesmente sentiria o gramado e então a maciez da bolha. da bolha sem fim. então estaria seguro, confuso, perdido na grandeza do plástico negro flutuaria. quando tudo isso se delineou na minha frente e eu realmente podia sentir que era real, minhas dores sumiram e eu estava finalmente em pleno vôo. flutuava e as luzes, o sons estranhos não me faziam mal. fui levado por aquela corrente e ela nunca me pareceu tão macia. foi tudo que vi enquanto tentava dormir. eu realmente não sei se consegui. mas tudo bem, ainda estou vivo e não morri, ainda sinto vontade de correr naquele gramado de novo, mas tenho medo. não me machucaria é claro, eu sei que ele é perfeito, só tenho medo de não voltar mais. no castelo dos sonhos eu simplesmente tirava o óculos emprestado e podia sentir que ainda estava com os pés firmados no chão, o vôo acabava bruscamente e o medo de não conseguir voltar para casa era menor, mas ainda estava lá. bem eu voltei e agora estou aqui e sei como as coisas podem passar.


é difícil sair do circulo, precisei ser puxado para fora, ser despressurizado e foi tão simples. vejo agora como foi tão simples. era só tirar o óculos e parar de me preocupar. quando deixei que a bolha macia me levasse tudo foi tão diferente, macio e flutuante como da primeira vez e meus as visões que tinha do passado pareciam ser reais. enfim era um menino correndo nu no gramado da bolha sem fim e me deixei cair até sentir mais uma vez que o concreto do asfalto não era duro e sim macio. um gramado onde estive seguro e percebi que se entrasse na bolha mais uma vez não iria querer sair mais dela. era tudo tão real.


faça o que quiser, vou me jogar agora mesmo. aproveite o resto do que se tem para ver e não me diga que tudo era tão sem graça no final. depois da sua escolha tomada não vai adiantar mais abaixar o som. ele ai te perseguir e então corra para a van insegura que está do lado de fora da bolha negra e vá embora antes que ela se despedace na queda. eu estarei feliz, deitado no gramado da bolha se fim. um abraço e até nunca mais. nossa comunicação não tem funcionado mesmo, a gente tem andado em círculos todo este tempo e tudo porque eu quero comprar um cachorro quente e você quer um maldito cigarro. beba a cerveja enquanto eu bebo água pelo furo que fiz no fundo da garrafa de plástico. os pingos me hidratam melhor e assim vou mais devagar. posso então curtir o sol atravessar o céu sem me levantar e quando a noite chegar novamente será um novo tormento e não conseguirei dormir novamente. mas desta vez eu saberei o que fazer e vou ficar deitado assim mesmo, vendo os flashes coloridos.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Sofrer pelos safados

Curitiba, 05/05/10. Lineu Filho


Fila do Fórum Eleitoral, obrigações deixadas para a última hora


Esta manhã, como muitos brasileiros, acordei mais cedo para ir ao Fórum Eleitoral, afinal era o último prazo para fazer ou transferir o título de eleitor. Estamos em ano de eleição (e de Copa do Mundo) e tudo no Brasil parece girar em torno disso. Não vejo nenhuma razão especial para esta efervescência nos períodos eleitorais, além do fato de termos uma população de quase 60 mil políticos eleitos de forma direta no país, e eles precisam de quorum para garantir mais quatro anos no poder. Por isso, aqui, ao contrário de outras democracias, é obrigado votar.


A fila estava enorme logo as 8h00 da manhã. Um minhocão de pessoas (na maioria jovens aparentando menos de 25 anos) em zigue-zague no enorme pátio do Fórum, uma obra pública típica, quadrada, cor de concreto e sem muitas firulas arquitetônicas. Era uma multidão de mais de mil pessoas, que mostravam um ar de cansaço só de entrar naquela fila interminável de baixo do sol forte da manhã.


Pode parecer clichê falar da fama que os nascidos nessas terras calorosas (e preguiçosas) têm de deixar tudo pra resolver na última hora, mas este é um do cernes desta questão. Falo isso por mim mesmo. Passeis as últimas semanas com esta ida necessária ao Fórum me incomodando mentalmente, mas como sempre, ficou para o último dia.


Tudo piora com a passada de alguns funcionários orientando e “triando” o pessoal da fila. Eles fazem questão de dizer, “porque em dias normais não tem nem fila, é só vir e ser atendido”, como se isso fosse ajudar. Só dilatam o sentimento de culpa de não ter ido nos dias em que a média de atendimentos não chega a 200 pessoas. Somente neste dia 4 de maio, penúltimo para por a situação de eleitor em dia, foram 4.400 pessoas passando por lá.


No meu caso, tudo mudou com as orientações da funcionária da Justiça Eleitoral. Descobri que meu comprovante de residência não servia e que o máximo que eu conseguiria neste dia era justificar o voto da eleição de 2008 (que não votei por não ter transferido o título de Santa Terezinha de Itaipu para Curitiba). Resultado: sai da fila depois de duas horas no sol, fui atendido por uma senhora simpática que nem me cobrou a taxa para justificar o voto.


No fim, a própria senhora contou a moral da história sem querer. “Deixa para transferir em dezembro, não vai enfrentar fila”, e quando indaguei dizendo que assim não poderia votar este ano, ela disse, “não adianta nada mesmo”. Desgaste em vão. Mais um ano sem ir a “festa da democracia”. Quando for velho terei de ser mesário vitalício para pagar estes pecados.


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Por el suelo camina mi pueblo

Por el suelo moliendo condena

Por el suelo el infierno quema

Por el suelo la raza va ciega...

Manu Chao

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Psychology Class

Dentro da câmara de gás.

Nazistas desenvolveram a disciplina. Eles gostam de manipular. Eles ainda estão escondidos por ai e pior, continuam trabalhando. São inquisidores e só aprenderam a vencer pela imposição da dor. Sádicos safados, eles não só querem matar, querem nos fazer sofrer. E fora que são extremamente sem graça.

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Há efeitos imediatos, que ocorrem sempre após uma dose. Pode causar malformações e atrofia. Ela pode ser detectada nos cabelos durante muito tempo de consumo.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Falsa tremedeira

Centro de Curitiba, Lineu Filho

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Baseado no depoimento do velho Raimundo Oachunam

Sonho ou pesadelo de barriga cheia.

Muitas coisas falam sobre a abstinência. Na verdade, muitas coisas falam sobre muitas coisas. Eu sempre achei tudo meio mentira. Não mentira completa, mas sempre duvido do que diziam sobre as coisas. E com a abstinência não está sendo diferente. Uns falam de tremedeiras noturnas (ou seriam diurnas, ou somente nas tardes de calor?) sempre acompanhadas de sessões de suor as bicas.

A dor de cabeça é a mais famosas das sensações do cara que se submete (ou é submetido a força) a abstinência. Eu só me sinto mais chato. No começo, isto é, nos primeiros dias achei que seria um cara mais irritável, mais estourado, involuntariamente. E realmente fui, mas bem menos do que achava e por menos do que havia previsto. Acho que é porque acredito facilmente no que dizem, ou não, ou porque não acredito mas seja diariamente assombrado por minhas máscaras.

No começo tentei nega-las e até senti vergonha delas algumas vezes. Mas hoje de manhã (talvez tenha sido há alguns anos atrás) eu tenha descoberto que não adianta fugir. Então assumi, morrendo de medo, mas aceitei e mais que isso, eu as assinalei com uma caneta marca-texto amarela. O que importa é que eu não tremo. Até tive uma ou duas dores de cabeça, mas sempre foi meio normal, ou não talvez, bem de qualquer forma não me lembro. Só sei que está sendo bem menos do que eu esperava (ou do que me disseram para esperar).

A única coisas que eu não tenho percebido são os níveis de tédio, eles tem aumentado em detrimento de algumas vontades que se reacenderam e ganharam mais fôlego inexplicavelmente. Mas isso ninguém vê. Eu fecho a porta e acendo a luz, deito na cama e ninguém vê. Ultimamente estão mais preocupados com a vida alheia. Vida esta que não é a minha. Então eu pingo o colírio para lubrificar e mostrar meus faróis. Deixá-los mais a mostra e mais significativos, mas parece que não adianta. Eu só tenho visto mais e melhor, nada mais.

Eu firmo a mão e não tremo. Molho a nuca para não tremer e não tremo. A paranóia me diz que não vou conseguir. Eu, mais uma vez, choro de rir da cara dela. O seu odor fétido me deixa mais medroso. E quem disse que isso é ruim? Eu só sinto falta e o resto, bem, o resto é só sonho ou pesadelo de barriga cheia.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Leitura flutuante sobre causa/efeito

Eu costumava dar mais valor as coisas antes. Os dias eram mais significativos e em alguns deles eu demarcava momentos, situações para lembrar depois. Como o dia que eu parei a bola esfarrapada de capotão perto do muro da vizinha da frente da minha casa. A casa dela era de madeira como a minha. Tinha uma fachada parecida com a minha. Até a torre de ferro para segurar a antena da TV era igual a da minha.

Tudo era tão leve nessa época. Flutuante como a pipa, da qual não me lembro a cor, planando de baixo daquele sol que fazia arder o campinho de terra. As coisas naquele tempo eram tão simples e mesmo assim eu me preocupava, assim como hoje.

Mal sabia. Eu já tinha esse medo. Mas até ele era mais simples. Naquela época eu conseguia segurá-lo da mesma forma que dominava a velha bola no pé. Hoje eu sinto um medo mortal, muito mais forte. Mas eu sei que vou dominá-lo. Talvez um dia eu conte e faça a todos saber o que eu realmente sentia e sabia naqueles dias. Eu sinto falta deles. Não por nada, apenas sinto. Talvez a gente descubra, ou talvez não (eu acho).

Agora com certeza eu enxergo que no fim foi o medo e não o desespero que fez tudo ser simples e direto como foi. Só sabia porque senti o corte e vi o sangue, não porque me enganaram mais uma vez dizendo que era como eu imaginava que fosse. Enfim, o medo não só é a causa como o efeito, a certeza infelizmente (ou talvez não) não cabe, não serve como peça fundamental para se decifrar este enigma. Como eu disse, um dia, quem sabe eu consiga finalmente, e não tenho firmeza nisso, descobrir o que foi toda essa coisarada. Se isso acontecer, fique tranquilo, você será o último a saber.

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a parede parece muito resistente e dedão acha que só com sua força não vai conseguir atravessá-la. não teme, apenas sofre por antecipação.

domingo, 4 de abril de 2010

Úmido total

Morro do Canal II

A água é gelada por ali. A represa do Carvalho, antiga captação de água dos mananciais de Piraquara para abastecer a região metropolitana de Curitiba. A placa na entrada indica a data de 1905. Hoje, o antigo sistema de piscinas não é mais usado. É um, digamos, ponto turístico próximo a serra. Eu e o Guia, a Mulher de botas e o Segurança fomos de carro até o reservatório principal. De lá para dentro a viagem continuou a pé.

Alguns registros foram feitos da bela paisagem. Eu esqueci minha parte do equipamento no carro. Já estávamos caminhando a algum tempo e tive de voltar sozinho, por um longo trecho para buscá-los. A roda preta e a erva.

A caminhada até o carro foi tranquila. Minha mente me dominou, o medo paranóico dominou o ritmo da minha caminhada. Na volta, a trilha de cascalho já era mais conhecida, as curvas no meio do matagal já eram verossímeis.

Várias libélolas, borboletas e beija-flores. A água é gelada por ali e entramos numa das piscinas até a altura da cintura. Comemos sanduíches de queijo e bebemos água da nascente. Comemos maças geladas na água da nascente. O céu oscilava. Fechado. Aberto. Fechado. Ensolarado.

O tédio começou a nos tomar e vimos a noite quase nos apanhar ainda na trilha. Voltamos a caverna . O tabaco e o álcool acabaram e subimos alguns quilometros, eu e o Segurança, com cascos das garrafas, jaquetas impermeáveis e guarda-chuvas até a venda do Zezinho. As poucas moedas nos renderam quatro cervejas e a chuva na escuridão nos fez ir mais devagar. Cair nas pedras pode ser fato, depende do equilíbrio do indivíduo.

Pela metade do caminho, quando a vigilância na estrada nos abandonou (porque o ser humano é assim, a rotina e a distração as vezes nos coloca em perigo) uma movimentação me tomou de assalto. Pensei ser um sapo, se mechendo naquele trecho do caminho, negramente chuvoso. Quando me vi de volta a si, novamente em estado de alerta (porque o ser humano é assim, sempre assombrado por seu instinto de sobrevivência) vi que era algo mais rasteiro, seu corpo todo em contato com o solo barrrento. “Uma cobra!” gritei para o Segurança. Ele pulou e disse “mentira”. Eu disse “não é mentira, veja, ela está entrando no mato, ali no barranco”. Mas ela já tinha se embrenhado na vegetação. Pensei comigo “filha-da-puta, cobra do caralho. Isso, suma, assim nunca acreditarão em mim”. O Segurança, diante da cena me chamou de “alarmista de merda”. “Desnecessário”, disse ele, “Desnecessário completamente”.

Assustado e com ar de mentiroso terminei a caminhada. Um banho de água fria, acorda, esperta para a realidade. Nem que seja um banho de água fria na credibilidade do seu discurso.

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"Mentira la mentira
Mentira la verdad

Todo es mentira en este mundo
Todo es mentira la verdad
Todo es mentira yo me digo
Todo es mentira ¿Por qué será?" - Manu Chao

terça-feira, 23 de março de 2010

Na porta da caverna

Morro do Canal I

Na estrada foi fácil. Um animo que envolvia até a medula, conversando tudo passa rápido. Difícil mesmo foi subir o morro do canal. “Até o cume”, dizia o Guia. Após a primeira curva na subida, a primeira desistência. O Segurança assume a mochila. Agora nós todos éramos um trio. Eu, o último da fila. Asmático e derretendo vivo, a mata passa, corta, arranha, coça. Logo as pedras começam a aparecer no terreno semi-vertical. As garras de ferro e as correntes na rocha auxiliam a subida íngreme. No começo parecia fácil, mas logo esta idéia (falsa idéia) desapareceu junto com o limbo, o musgo que nós esperava alguns metros acima.

Depois da metade o fôlego não é o mesmo. “Uma conversa, uma instrução verbal no caminho pode encurtá-lo”, pensava eu. Realmente, e isso não foi difícil, iniciamos a conversa. Agradável conversa. Mais a hora só tendia a ir mais devagar, os ponteiros custavam a correr pra frente (na verdade pareciam ir para trás) e a subida começou a me parecer mais pesada. Tudo então ficou mais íngreme, mais pedras apareceram e pela primeira vez (durante a subida, pois antes já tinha visto) vi novamente o cume. O ensolarado e pedregoso topo do morro.

Lá em cima tomamos mate numa cuia de metal e deixamos o vapor daquele cheiro denso e delirante evaporar e inflar os pulmões. A vista era magnífica. O céu limpo com apenas umas nuvens que despencavam suas águas sobre uma cidade na linha do por do sol. Era muito grande. Dois outros montanhistas nos cruzam. O Guia fazia recortes do infinito com sua câmera fotográfica. Até fez imagens do trio. Eu, o Segurança e o Guia, em frente à câmera que disparava sozinha após dez segundos do clique.

Cobrimos-nos com anoraques e blusas para ver o sol se por. Quando a nuvem expurgou a bola flamejante, a bola de fogo, o universo ficou amarelo e laranja, laranja-fogo. Nós nos extasiamos.

A descida foi no escuro, só se via as pedras mais claras. Então as pedras pareciam lixas ao apoiar o corpo para baixo. À noite a janta de lentilhas. As conversas e mentiras ao lado da roda de cadeiras na varanda escura. A conversa na plataforma de pedras olhando para uma lua estalada, com seu coelho craterial. Dois viajantes chegaram naquela noite. De motocicleta. Conversaram e foram embora. Apesar de já ter ido dormir, enquanto os outros ainda conversavam, sei que foram embora, pois os dois não estavam na caverna pela manhã.

As conversas se encurtaram o dia. Eu vi o ponteiro retroceder várias vezes, mas o tempo da fala não fica aprisionado entre o traçado do relógio. Eu não sabia. Talvez a subida íngreme me tenha mostrado. Talvez as diversas ranhuras em minha mão feitas pelas rochas-lichas da descida tenha me revelado isso. Não sei, talvez eu já soubesse, mas só não lembrava.

Subir e descer para ver. Talvez eu tenha esclarecido algumas coisas. Isso só a fotografia lá de cima vai dizer. O sono sem sonhos foi à tampa da panela. Um tempo escuro. Parei de falar e apenas ouvi. Com paciência ouvi as conversas do Guia e do Segurança. Com paciência ouvi o tempo passar.

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"Que voy a hacer, je ne sais pas. Que voy a hacer, je ne sais plus. Que voy a hacer, je suis perdue. Que horas son, mi corazón" - Manu Chao