sábado, 29 de dezembro de 2007

O sopro e o sonho

O dia nasce, acordar sempre é difícil. Mesmo sabendo que ele nasceu as 00:00 horas de ontem, para nós ele só nasce mesmo, quase sempre, no momento que acordamos. O desnorteio no acordar é algo constante. Olhar para os lados e mesmo com as paredes do quarto, bem conhecidas ou não, marcantes ou não, ainda assim demoramos um pouco a reconhecê-las. Tudo isso dura apenas uma pequena fração de segundo e logo aquele “déjà vu” vem à tona e percebemos que ali adormecemos no dia anterior. É claro que isso acontece quando fomos para cama, tranqüila ou intranquilamente, mas fomos, e não levados já tomados pelo sono profundo e uniforme, que não nos permitiu olhar ao redor e perceber o que aconteceu.
Mas nascer também é difícil, assim como acordar. Deve ser porque o nascimento é um primeiro despertar. O despertar dos sonhos flutuantes do escuro, porém quente e aconchegante ventre materno. Ali os sonhos são influenciados pelos sentimentos da mãe, o alimento é recebido pela influencia da mãe. Tudo que nos nutre vem da mãe, aquela a qual nem mesmo conhecemos o rosto mas o que recebemos provindo dela nos promove segurança. O desligamento desta situação, o acordar para o mundo desconhecido luminoso é o mais difícil dos traumas. Nascer é traumático.
O nascimento ou o despertar de um novo ano, talvez seja o mais fácil e festejado nascimento. Talvez porque seja um acontecimento paradoxal, demorado a vir e extremamente rápido a passar. Ano após ano ele vem, dura apenas o tempo da última badalada, a transposição das 11:59 para as 00:00 hora. É fácil por ser tão festejado e repleto dos prazeres, carnais e transcendentes. Os últimos segundos entre a morte e o nascimento são comemorados um a um. Enfim um nasce e outro morre, o mais natural, simples e com menor teor traumático dos nascimentos e, diga-se de passagem, a mais natural das mortes.
Assim como um astro morre para dar vida a outro, um ano morre para que outro viva, e viva abundantemente seus longos 365 dias (366 em ano bi-sexto). Um dia morre para que outro tenha seu nascimento. Mas sendo estas mortes e nascimentos temporais tão simples e totalmente compreensíveis, porque nos debatemos tanto com nosso nascimento e mais ainda com nossa morte? “De onde viemos e para onde vamos”, para que tanta angustia? Os traumas são inevitáveis, nascer morrer, tudo vem naturalmente, tudo passa, na hora certa, mesmo que não aceitemos. O aceitar é um mero detalhe na paisagem, o natural vem, tão certo como o nascer do dia.
O ano que passou foi mais um da chamada “caminhada” ou “estrada” que é a vida. Estes codinomes dados a vida são fáceis de se compreender. Passar pela vida é algo simples de se compreender. Ao fim e ao cabo, pouco antes do dormir, do morrer percebe-se que tudo aquilo, todos aqueles encantos e desencantos, todos os sonhos e pesadelos, todos os traumas e prazeres, tudo foi a simples e pura vaidade, e passou rápido demais. Como diria o grande arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, aos sem anos de idade, “a vida é um sopro”.
A morte de um dia, a morte de um ano, a morte de um ser. Parecidas, correlatas, simples alusões. Porque iniciar um ano pensando em morte? Morrer não é algo ruim? Eu digo que sim, é mesmo, morrer é algo difícil, mas não ruim. Tudo que você criou no ano passado, tudo que arquitetou, planos, metas, tudo morreu e foi sepultado com o ano que se passou. Mas como, neste caso a morte da lugar a vida, poder ter mais um chance de fazer o não feito, realizar o não realizado é muito bom. Neste ponto devemos sim começar o ano pensando na morte. A morte do que foi antigo e passado, e pensar no que ainda pode ser feito. Isso não por esperar algo maior, não para satisfazer quem quer que seja, não para um dia no futuro vangloriar-se das façanhas passadas. Mas para simplesmente sentar na beira da estrada e dizer “foi longa, mas estou aqui, poxa, aqui já, andei bastante, andei bem”. Entende o que eu digo. O simples passar é o cheque-mate do jogo, é a resposta à charada angustiante, é a disfunção do desejo de mais respostas. Simples assim, como a passagem do dia e do ano. Encarar as coisas de maneira simples as deixa menores, mais fáceis de derrotar.
Neste ano encare a morte, a mudança, as respostas indesejadas, tenha paciência, e lembre-se, passar muitas vezes, ou quase sempre, é melhor do que acordar. O sopro e o sonho tem muito em comum.

N.A.: Um bom 2008 para todos, um abraço. Nos vemos aqui neste espaço, até uma proxima!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Uma Conversa na Conferência

United Nations Climate Change Conference
Nusa Dua – Bali - Indonésia, 3-14 December 2007


Enquanto os delegados da conferência e os representantes dos países discutiam as mudanças e ações de cabidas a cada país com relação às emissões de gazes poluentes, desmatamento, reduções econômicas, dois indonésios ali no cantinho sentados frente ao painel que anuncia o encontro internacional sobre o clima conversavam sobre o que vêem e escutam.
Camisetinhas amarelas de staff, crachás, um coça des-preocupadamente a barba enquanto seu companheiro fuma um cigarro.

Barbudo: É cara, pelo jeito eles não vão chegar a um acordo tão cedo eim!
Fumante: Ué porque meu? Os cientistas trouxeram as propostas, e boas propostas, agora é a galera entra num acordo de quem vai poluir menos, quem vai reduzir aqui, quem vai reduzir ali, quem vai poder desmatar mais um pouco aqui e ali, energia solar, biocombustíveis e etc, vai ser fácil, que nem Kyoto.
Barbudo: A cara não sei não, todo esse povo falando línguas diferentes, com pensamentos diferentes, sei lá isso ta me cheirando a confusão, as coisas não são tão fáceis assim, você viu o que aconteceu com o Al Gore? Pô o cara tinha tudo nas mãos. Foi duramente reprimido por vários governantes, que mostraram simpatia apenas por populismo, mas por trás meteram a boca. Ele tinha resultados de pesquisas, opinião de cientistas da área o que dava muita credibilidade aos dados, explicou claramente naquele documentário, como é nome daquele documentário mesmo, é, é.... “Verdade Inconseqüente”?
Fumante: Não, não, cara que inconseqüente o quê, IN-CON-VE-NI-EN-TE, “Verdade Inconveniente”, é também o cara meio que força a barra não foi, poxa, deu um tapa na cara dos americanos e dos australianos, os únicos que não assinaram o protocolo de Kyoto e tão ai poluindo geral, sem dar satisfações de p#%¨&rra nenhuma!
Barbudo: Nada a vê, nada a vê, a Austrália lá, os “caguruzinho” lá, já assinaram um documento dizendo que vão diminuir as emissões e tão do lado de cá já. O “Tio Sam” ta sozinho agora. E ainda mais pra ferra com eles, os Emirados Árabes Unidos, o Kuwait e o Catar, os árabes lá sabe, vão doar uma grana preta pra ajudar as regiões do planeta e as comunidades atingidas pelo aquecimento global. Mais ou menos 450 milhões de dólares. Os americanos não vivem dizendo que árabe é tudo terrorista? É neném quem é o terrorista agora, fala, fala, fala na cara americaninho... hahahahaha!
Fumante: É, mas as coisas tão ficando cada vez mais difíceis pro lado deles. A Califórnia, os estado mais rico dos EUA, os caras (governo da Califórnia) assinaram um documento dizendo que em 20 anos vão reduzir 25% das emissões do estado, pode ser um abalo para a economia, mas eles tão ai levantando a bandeira do meio ambiente.
Barbudo: 25%? Grande coisa, os cientistas da ONU dizem que o mundo deveria parar hoje de emitir 60% dos gazes, SE-SSEN-TA POR CEN-TO, sabe o que é isso, e não é pro ano que vem, pra daqui dez anos meu amigo, é pra ontem, se não daqui a 50 anos o planeta estará irreconhecível! É parece que o negócio ta mesmo muito sério.
Fumante: Sim, mas quem deve pagar mais caro por isso são os países ricos meu, isso é uma verdade, sério, os caras enriquecem por séculos, poluindo, desmatando tocado a maior zorra com o meio ambiente pra estarem ai numa boa ricos e desenvolvidos e agora querem que nós, países em desenvolvimento paguemos a conta, arriscando o nosso crescimento para salvar a pele ariana deles, Ah, tão de sacanagem não tão?
Barbudo: É meu amigo, mas agente não pode ficar com esse discursozinho “Poluir para crescer, e os ricos que se f*%$dam”, não senhor, de que adianta agente fazer passeata pelo meio ambiente, dizer que ama as plantas e os animais, shows por um planeta mais igualitário e justo. Entende o que eu digo I-GUA-LI-TÁ-RIO, ou seja o que está no passado já era, temos que ser iguais agora. Chega de “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. A responsabilidade é nossa também, que adianta crescer economicamente, crescer pra que, pra depois não ter mais planeta pra viver? Onde agente vai morar se este mundo ruir em meio aos gazes que provocam o aquecimento global?
Fumante: Nossa que bonito eim...
Barbudo: Bonito o que? Eu sou bonito? Ê cara não sou desse time não... tá de sacanagem?
Fumante: Não idiota, bonito o que você falou, “RUIR”, que difícil que tá seu vocabulário... só porque é staff de um encontro global ta ai se achando!
Barbudo: Se liga velho, to aqui falando sério sobre coisa relevantes, tentando se envolver com estas discussão e você fica ai, de conversinha, “hum ruir, que bonito” puta merda viu!
Fumante: Desculpa, desculpa!
Barbudo: Não tudo bem, só fiquei um pouco de cara, to muito preocupado com toda esta situação. Até agora tudo que se resolveu e na base do “investimento financeiro”.
Fumante: Como assim?
Barbudo: Não, pô, todo assunto que é colocado em pauta, é analisado primeiro a viabilidade econômica, depois a ecológica.
Fumante: Pois é, como esse povinho poderoso do mundo só pensa em grana né! Nossa, é uma absurdo mesmo!
Barbudo: Bem dessa mesmo. Que adianta ter dinheiro e bens para depois ficar torrado com o calor, não ter água potável, e o pior sem florestas piora a qualidade do ar, ai eu quero só ver! O mundo ta indo cada vez mais mal das pernas!
Fumante: Pois é! Não só das pernas, do corpo inteiro!
Barbudo: Olha, olha, escuta só o que eles tão dizendo!
Fumante: É em inglês, traduz ai pra mim!
Barbudo: É alguma coisa como, como, como....
Fumante: “Como” o que? Fala logo!
Barbudo: Algo sobre milhões, acho que é 60 milhões...
Fumante: 60 milhões de que?
Barbudo: Ah sim, sabia que este 60 milhões não eram sobre reduções de emissões ou no desmatamento... tava bom demais para ser verdade!
Fumante: Ué mas sobre o que é então? Fala, to curioso!
Barbudo: É a quantidade que o mercado de carbono movimenta hoje no mundo...
Fumante: Mercado de carbono, que é isso?
Barbudo: É algo como, bem, deixa-me ver. Uma empresa que polui muito, que emite muito gás de carbono na atmosfera paga para um proprietário de terras, geralmente de terra nos países em desenvolvimento para ele conservar, ou se não plantar apenas árvores que reduzam os níveis de carbono do ar. Assim ele compensa a poluição com conservação. Não planta, não conserva, apenas continua poluindo e pagando pros outros preservarem o meio no lugar dele.
Fumante: Mas que adianta? O cara continua poluindo igual.
Barbudo: É, mas assim pelo menos ele cala a boca de quem quiser criticá-lo, e pagando bem né, os paisinhos cá em baixo não reclamam afinal recebem em dólares!
Fumante: É mas logo, logo os dólares não serão tão verdes mais! Ai eu quero só ver!
Barbudo: Isso se agente tiver por aqui ainda, você viu o cara lá dizendo que com o aquecimento global Bali vai ser submersa totalmente? A Indonésia já era meu filho, em pouco tempo!
Nesse momento o amigo que fumava tranqüilamente, corre em enfia dentro de um copo de água o que restava do cigarro. O outro espantado pergunta:
Barbudo: O que foi, sua mãe te viu fumando?
Ex-fumante: Não, parei de fumar agora!
Barbudo: Ué, porque?
Ex-fumante: Preciso parar de emitir gazes e contribuir pro aquecimento global se não fico sem casa!
Barbudo: Hahahahaha... Isso ai, gostei de ver, pequenas atitudes que podem mudar o mundo, hahahahahaha!!!!




N.A.: Na revista ÉPOCA, edição de 10 de dezembro, nas páginas 136, 137 e 138 foi publicada uma matéria sobre a conferência da ONU sobre a situação do clima do planeta, que acontece este mês em Bali na Indonésia. Na matéria são apresentadas as decisões e conclusões feitas até agora. O objetivo principal da conferencia é dar o paço inicial para um novo documento que venha a substituir o Protocolo de Kyoto, que espira em 2012. No entanto, a maioria das propostas que são colocadas em pauta tem o viés financeiro em primeiro plano. Enquanto os cientistas da ONU dizem que precisamos diminuir em 60% a emissões de gás de carbono MUNDIAL para ontem, os debates dos governantes e representantes de quase todos os países se atem a reduções econômicas e incentivos financeiros. O máximo que se conseguiu até agora foi à decisão do Reino Unido de reduzir em 60% suas emissões de gazes, porém num prazo de mais de 40 anos. Até lá e disfunção entre o valor do dinheiro e o da água e dos tratamentos de câncer de pele serão bem grandes, isso sem contar as inundações e os espaços de terra que darão lugar ao oceano.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Mil e trezentos anos em três minutos


Três dias enclausurado. Sem rever o mundo exterior
A solidão. O silêncio.
O barulho que as paredes, janelas, e visões
pitorescas do futuro fazem.
Olhar para fora e sentir tão verdadeiramente
que tudo que era bom já passou há tempos.
Coisas que se foram antes mesmo da sua vinda,
antes mesmo do abraço.
Não passaram de ilusões, curtas.
Que tiveram seu fim com uma overdose de tempo e cifras.
Aos trezentos anos de solidão
Overdose antes mesmo da fama, antes do reconhecimento.
Tempo jogado fora.
Que é o tempo se não uma simples medida?
Só restam as fotografias em preto e branco, quase todas da infância.
A juventude negra não aparece ali.
Apenas uma imagem, sem camisa, com um refrigerante na mão.
A clausura traz o pensamento menos ruidoso.
Com o míninimo possível de interferência.
Mas isto leva tempo.
Tempo demais.
Tempo que passa rápido demais.
Então, o paradoxo entre o curto longo e longo curto tempo.
Três dias como mil e trezentos anos.
Não passam nem deixam se passar.
Ao fim e ao cabo, o sentimento de que tudo
foi um simples e singelo sonho de três minutos.
Mil e trezentos anos em três minutos.


Poema dedicado a minha querida Elen D.A.