segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Free Violence

Sem ter o que dizer mais uma vez recorri ao bom e velho grito dos garotos. O grito dos garotos contra o mundo:

"Fico imaginando quem roubou nossa inocência. Tento descobrir a quem culpar. Como nos velhos tempos, dedos apontados. Sendo positivo na melhor das intenções. Veja os garotos ainda estão aqui, gritando por mudança. Veja, eles ainda acreditam" - Dead Fish




Hateen

* * * * *

Há tempos eu venho levando tiros. Sem muleta, nem ecravidão, nem esperanças mentirosas, os tiros hão de sarar
... Free Violence

domingo, 21 de novembro de 2010

Linha do Contrabaixo...

Na falta do que dizer, e realmente eu não tenho muito a dizer ultimamente, recorro as palavras chulas e razas de uma poesia renegada pelos poetas escrotos de academia. Besteirada de moleque. Um monte de palavras encarrilhadas só pra tentar seguir a linha do contrabaixo. Papo daqueles garotos de merda que não tem nada na cabeça e vive com o relógio quebrado esperando a próxima derrota pra tirar sarro de si mesmo. E numa hora dessas só me vem uma frase clichê na cabeça "É a vida... fazer o que!?" - pode chamar de babaca, é justamente isso que eu queria publicando essa bobagera toda (rs...)

* * * * * *

Estava tão triste
Quando você me disse
Que havia algo de errado entre nós
Meu mundo girava e o seu controlava
O que havia de errado no meu
Eu desci as escadas, as velhas escadas
Sem medo de olhar o que eu deixei pra trás
Eu continuo do mesmo lado
E não vou mudar minha opinião
Tênis furado e alguns trocados
Relógio quebrado e poluição
Eu senti em minha volta a dor da derrota
Quem foi que escolheu
Sobre os meus próprios passos
Vou caminhar
Sobre os meus próprios passos
Nunca mais vou errar

* * * * * *

Quando eu mais precisei, nunca mais eu vi você. Foi dificil esquecer.
Tanto faz, nem pensei. Só o tempo irá dizer. Não tem como entender.
Hoje eu tenho que esperar, Mas meu dia vai chegar...

O mundo dá voltas. Não posso mais parar. É só correr atrás. Nem tudo mudou. Não quero mais pensar. No que ficou pra trás. E nada faz voltar...

Quando eu estava ali. Sem saber pra onde ir... é melhor nem lembrar.
Sempre penso em conseguir. Nunca penso em desistir. Deixo a vida rolar.
Hoje eu tenho que esperar, mas meu dia vai chegar...

O mundo dá voltas. Não posso mais parar. É só correr atrás. Nem tudo mudou. Não quero mais pensar. No que ficou pra trás. E nada faz voltar...

* * * * * *

Espero contar com a minha sorte, ou pedir pra Deus, com a certeza da incerteza do amanhã. Como se fosse a última vez... Sair sem saber a que horas vou voltar, se vou voltar! Como se fosse a última vez. É isso! Abrex...

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Homicidas - Parte 2


Roque sabe, não se lembra quando ouviu que na parte mais baixa, depois do soalho da velha casa de madeira onde mora, depois do espaço aberto entre a madeira e a terra, dentro da terra precisamente é onde se escondem. Ali, disseram seus vizinhos – era um cemitério de crianças. Era o lugar onde aquele velho alemão, na época com uns cinqüenta e tantos anos, enterrava seus filhos que nasciam mortos. Ele não sabia por que, poderia ser um problema genético dele ou de sua mulher, certamente era algo que ele não conhecia. Tentaram pelo menos umas seis vezes, em todas, a pior possibilidade se repetiu. Ela abortava espontaneamente no sétimo mês, ou do sétimo para o oitavo mês de gravidez e ele não sabia o por que. Sua bela mulher, cabelos negros e grossos, uma autêntica descendente direta de italianos que migraram para o Sul. Imagine que belas crianças teriam. Na igreja, repetidas vezes viam crianças serem apresentadas, pais agradecidos pelo filho nascido. Em seguida olhavam para dentro de casa e lembravam-se da terra maldita abaixo do soalho. Era o fim. E ninguém sabia por que aquilo acontecia. O velho alemão quase desistiu de ter filhos com medo de ter de enterrá-los, mas numa manhã, sua mulher levantou-se, pegou o velho banquinho de madeira foi sentar na varanda para ler um livro. Quando se abaixou sentiu uma leve pontada na barriga, foi então que percebeu – estava grávida outra vez. Ela teve uma menina, que poderia ficar grande, alta como o pai, um gigante poderia se dizer. Mas seu rosto não era como dos gigantes, não como os germânicos, rostos compostos por falanges duras como suas frentes de batalha, os guerreiros gigantes do norte. A menina era perfeita, uma autêntica latino-americana. Tão logo a menina completou um ano, mudaram-se para uma nova casa, mais ampla, com piscina. Foram felizes pode-se dizer, mas em poucos meses a mulher morreu e o alemão se viu novamente sozinho e agora com uma criança no colo. Ele ficou triste, completamente arrasado vendo sua idéia de família perfeita explodir no ar. Fodido, mas não a ponto de coçar sua cabeça durante a direção e virar o volante rumo às vias que levassem para a antiga casa de madeira. Nem mesmo dentro de seus circuitos mentais mais profundos queria lembrar que aquilo existiu. Às vezes sonhava com as criancinhas, mas nunca via os rostos delas. Um dia enquanto olhava sua menina no portão de casa ele a chamou e ela então olhou para trás, mas não tinha rosto, o velho alemão ficou louco e evitava olhar para a criança desde então. Mas isso era impossível, ela o forçava olhar e ele não via mais seu rosto, assim como os irmãos dela que ele nunca pode conhecer as feições. Com medo de que esse fantasma de carne e osso fosse persegui-lo para sempre o velho acertou a pequena com uma faca de cozinha na cabeça e em seguida cortou a própria garganta e morreu sufocado com o sangue. Roque não sabia de tantos detalhes, isso porque nunca tinha visitado a mesa da casa da vizinha onde estes requintes de crueldade pairavam no hálito das conversas. Ele apenas ouvia de longe um ou outro detalhe do velho alemão desafortunado e desgraçado saindo da boca da vizinha em direção a alguém de sua família, sempre Roque ouvia de longe. Mas esta madrugada era a primeira depois de descobrir na casa do cachorro um osso idêntico a um fêmur, só que miniatura. Vomitou pelo menos umas cinco vezes, nas três primeiras alguma parte do bolo alimentar voltou, mas nas duas últimas foi apenas contorcionismo de abdômen. Não teve coragem de voltar e tirar de lá, muito menos contar para alguém. As dividas impediam qualquer mudança daquela casa naquele momento e caso fosse verdade quem sabe poderiam requerer um desconto na imobiliária ordinária que os agenciou o negócio. - Cemitério de crianças, que horror! - gritava sem emitir som. Como poderia provar? Quem iria cavar aquela porra? A testemunha ocular do único artefato que provaria as histórias da vizinha colocaria os fatos na mesa? Ele teria coragem de se lançar nesta tentativa macabra de provar a merda toda e ganhar algo com isso ou simplesmente ficaria calado?
- Que merda, que porra, que porra do caralho! – corta o cérebro por dentro sem pena.

j.a.


Esquece de tudo. Talvez seja apenas uma mentira fedorenta dessa vizinha fofoqueira, talvez seja uma coisa que ela mesma tenha feito em baixo do soalho da casa dela, talvez seja menos, seja apenas uma história que tenha lido em algum livro de merda, um livro tosco destes de terror vagabundo e alucinógeno demais para ter alguma coisa de verossímil. É, pode ser, pode ser pior ainda, poder ser a trama de um filme, daqueles de segunda linha, produções menores dos estúdios americanos. Terror barato que não tem nem a autenticidade de um trash do Zé do Caixão, nem efeitos especiais suficientes pra preencher a imagem. Uma bosta fresca toda vez que você liga a televisão de madrugada num canal de horroshow. Talvez seja apenas isso, e portanto não tem importância, e mesmo que o soalho da casa seja um cemitério de bebês que não chegaram a ser nem recém nascidos, e daí? Qual é o problema? Estão mortos, já era! Só resta um problema (o ossinho) e duas testemunhas. - Tudo que pode ser feito de manhã fica sempre mais caprichado, afinal é só uma noite até que o único indício da terra maldita suma e então não haverá provas materiais de que ele existiu. Apenas duas testemunhas. Pela manhã desceu as escadas foi até o quintal depois que todos saíram e com uma pá pegou o ossinho jogou dentro de um saco e colocou no porta malas do carro. Só restava o último ato e o primeiro crime (isso porque ocultar uma prova não é crime até que descubram). Colocou uma faca de cozinha no bolso, tirou o carro da garagem, mas antes de fechar o portão chamou o cachorro para dentro do veículo. Trancou a porta e seguiu rumo a região do lixão onde pretendia despejar o cadáver do animal.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

No pregador

Texto e foto: Zé Beto

Um dia me compraram. Eu não sabia como cheguei àquela loja. O velho de cabelo branco me pegou com a mão direita enrugada, jogou dentro de uma cestinha, pagou, me enfiaram dentro de um saco plástico e aí fui jogado no banco de trás de um carro velho, desses que andam sacolejando. De repente estava na boca da cadela. Ela nem me cheirou. Abocanhou e me levou para um corredor lateral da casa onde havia uma nesga de terra. Vi ela cavando um buraco na terra preta. Pensei: me fudi. Ia ser enterrado vivo, ou morto, ou sei lá o que porque sou um boneco peludo que imita um... um... cachorrinho. Tem amigo meu que levou sorte. Vi comprarem no supermercado e entregarem para bebês. Eu, não! Me deram para uma cadela mimada. Sim, ela é mimada. O velho dá comida na boca, viciou-a em chocolate e ela só não sobe na mesa por falta de vontade. A cadela dorme com ele na cama de casal. Substitui, no momento da siesta, a dona da casa que foi embora. Mas, como eu dizia, a cadela queria me enterrar feito os ossos que ganha quando o velho vai a uma churrascaria. Ele sempre traz e, às vezes, quando almoça em restaurante que vende a quilo, compra comida especialmente para ela. Fui salvo porque ele veio atrás e disse para ela não fazer aquilo, que era um brinquedinho, etc. Acho que ele está tentando tirar o pecado que cometeu de nunca ter colocado a cadela para fuder com cachorros. Tanto carinho, tanta paparicação, e a cadela nunca soube o que é um pau. Por isso enlouquece cada vez mais no cio. Se deixarem, ela destrói a casa inteira. Seu principal passatempo e ficar se esfregando feito uma doida alucinada num pano sujo que enrola. Ainda bem que o velho me tira do circuito nesse período. Senão não estaria contando isso para vocês.

Acho que ele pensa que eu posso substituir os filhos que ela não teve. Coisa de doido! Acho que ela gostaria que eu tivesse um pau enorme para trepar com ela. Eu tenho forma de cachorrinho. Miniatura. Mas não tenho pau. Passou um tempo e ela nem ligou mais pra mim. Só quando aparece outro maluco, que eu nem sei quem é, mas que não gosta da cadela e que, por isso, me dá uns bicos para ela correr atrás. Se ela me prende na boca, quando me baba todo, ele tenta arrancar. Qualquer dia o maluco vai arrancar minhas pernas, ou me dividir no meio. Ainda bem que aparece pouco na casa. Mas foi ele que recomendou que o velho me lavasse. Eu era branco. Fiquei sem cor. O velho lavou e me pendurou no varal. Um pregador cor de rosa me segurou no fio de naylon. Aí acontenceu. Me esqueceram aqui. No começo doeu. Não o nariz, porque eu não sinto isso. Mas a solidão. Depois fui me acostumando, mesmo porque daqui posso ver a lua, o sol, tomar banho de chuva, etc. Já faz mais de mês que estou assim. Gostaria de ficar para sempre. Mesmo porque, tudo me irrita na cadela, principalmente o nome estrangeiro que tem.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Homicidas – Parte 1



ele só queria ver mais televisão, não programas selecionados, escolhidos a dedo, queria ver as merdas e sacanagens que passavam longamente nas tardes, do jeito que acontecia quando era criança. a putaria, a zueira toda, o gosto pela bobagem, pelo ócio desconstrutivo. não ficar se cobrando para tentar entender como as coisas realmente são, para que lado a terra vira, para onde essa maldita política economica vai levar o nosso pais. queria simplesmente sentar e olhar, paralisado como um tetraplégico em sua cadeira de rodas. queria fazer de seu sofá de apenas um lugar uma verdadeira cama, onde se espreguiçaria desconfortavelmente até encontrar mirabolantemente uma posição confortável. os canais eram trocados um a um até que encontrou o pior programa possível, o mais escroto e nele estacionou. o som do vizinho cortando a grama, os carros que passavam na rodovia, as malditas crianças que corriam na casa que era vizinha de fundo com seu prédio. tudo isso contribuía ainda mais para sua dificuldade de ficar inerte, vegetando. mas Roque não desistiu e se concentrou para permanecer oco.

o programa da TV era simples e bizarro, pessoas correndo atrás de porcos com coleiras coloridas ostentando a pontuação que o participante alcançaria se pegasse um deles. era simples. correr atrás do mamífero uivante, agarrá-lo em meio ao seu esperneio sem fim, o esperneio de morte, e colocá-lo dentro da pequena jaula de cerdas de alumínio estreitas. ao fim de sua caçada o participante, como era de se esperar estava todo sujo de lama e mantinha um meio sorriso em sua boca, um melancólico sorriso fingido, parecia estar feliz apesar de tudo. prêmios variavam entre pequenos, médios e grandes, sempre dados em cheques gigantes que não valiam nada (na verdade deveriam receber em dinheiro vivo atrás dos bastidores, mas o fato é que deveriam sempre receber muito menos do que era informado aos telespectadores).

depois de manear o controle e finalmente chegar ao ápice do tédio, tudo aquilo lhe causou prazer e para coroar este momento áureo, Roque correu ao banheiro, se trancou e concentrou-se mais uma vez para poder seu pau levantar e se masturbar e se contorcer até que gozasse e sentisse cãibra nas duas panturrilhas. lavou as mãos e o rosto e saiu sem emitir um único som. voltou a varanda e observou seu velho vizinho que aparava sua grama, cuidava de seu quintal, molhava suas roseiras e sentiu pena do velho, pois por sua aparência imaginava que não mais podia ter ereções, ou pior, nem quisesse mais tê-las. sentiu pena e ódio a ponto de querer matá-lo, de querer enfiar aquela roçadeira no pescoço rugoso do velho careca e ver o sangue esvair e a vítima agonizar até o último segundo, até que o último sopro de vida lhe saí-se pelo nariz, mas ao invés de correr e atravessar os cinquenta metros (ou talvez fosse 75 ou um pouco mais) que separavam do outro lado da rua, Roque apenas sorriu, um leve sorriso, um meio sorriso, que poderia dizer duas coisas, medo ou violência, falcatrua pura.



j.a.

coçando suas costas com os nós dos dedos, voltou e reclinou seu corpo magro novamente sobre a poltrona marrom, móvel de uns trinta anos ou mais que já tinha suas espumas e molas demasiadamente gastas para fornecer qualquer que fosse o descanso. o telefonema nunca vinha, tinha medo de que Santana estivesse adormecido e que pudesse ter esquecido que dali alguns minutos deveriam se preparar para guerra. a televisão e os porcos correndo atrás de mamíferos inocentes porém imundos por natureza não o entretinham mais. foi então que decidiu comer algo, foi até a cozinha e encontrou algumas bananas-maçãs maduras. contou-as em rodelas, colocou em uma tigela de plástico branco encardido e jogou sucrilhos em cima. leite e uma colher antes de voltar e sala e ligar o rádio que tocava uma música dos secos e molhados. logo trocou de estação, enojado por causa da viadagem e pelo tom prateado da voz do cantor. comeu rapidamente porém meditando em casa floco, seu gosto macio, suas nuances de forma, pequenas cápsulas doces e umedecidas.

cansado de esperar resolveu ligar para o comparsa, mesmo sabendo que esta era a milionésima vez que faria isso naquela tarde dominical e mesmo sabendo que a resposta seria a mesma - estou a caminho. O telefone finalmente toca, Roque atende, é Santana.

- Tudo pronto?
- Claro!
- Vamos cortar o corpo e jogar onde?
- Vamos queimá-lo, eu acho - replicou Roque.
- Ok, nos encontramos na frente do seu prédio - Santana repete a coordenada.
- Ok então!

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Aceno

j.a.


quem é o safado aqui? a conversa é aberta com esse grito interno, que pela boca passa como assobio baixo, contido. uma coisa ficou presa na garganta, ela quer explodir e quando ganha o nervo do braço esquerdo acaba em forma de murro na parede. a mão sangra e o sangue escorre, um carimbo vermelho borrado nos ladrilhos. então outro soco, com a outra mão e agora de lado, é desferido contra a mesma superfície. a força não é suficiente para romper os tecidos superficiais da pele, mas consegue quebrar em várias partes os ossos que vão do dedo mínimo até o antebraço. resta a cabeça. aguenta três golpes, as têmporas chocam contra o concreto manchado. cai inerte, sem tremer uma só vez. violência com as próprias mãos. o fim grotesco de cinco horas de gritos contidos no banheiro. repetições e mais repetições, as mesmas dezesseis letras sussurradas milhares de vezes, quicando nas paredes, no chão e no teto do cubículo com uma única luz que vem da clarabóia. violência com as próprias mãos. só quando o barulho do punho esquerdo, na queda, que acerta e quebra a base de uma das folhas de acrílico que compõe a divisão entre a área do chuveiro e a da pia/privada é que se dão conta. o aceno é secreto.



j.a.

as mãos chamam atenção, não se sabe porque.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Teto preto

Ciudad Juarez







naquela noite o menino teve alguns sonhos. ele conheceu alguns filósofos, antigos escritores, um russo e o outro alemão, os dois com seus respeitosos bigodes e ele se incomodava com eles, achava antiquados demais. mesmo com esse asco, ele não correu dos velhos escritores, ele permaneceu próximo, observando caninamente como se movimentavam, como conversavam. o menino não sentia nenhum tipo de simpatia por eles, apenas os observava para quem sabe descobrir o que pensavam e então como agir diante disso. então os dois começara a falar sobre suas pretensões para o futuro vislumbrando como conseguiriam viver, como seria o mundo se as crianças de hoje estavam perdidas em ilusões coloridas. então o menino que se sentia ofendido com aquelas palavras continuava olhando e eles permanecia impávidos conversando. sem prestar atenção na música que os rodeava, estavam quase perdendo sensibilidade no tom. o menino então mergulhava num sono obscuro e ficava lá por um tempo que ele nunca conseguia determinar, apenas se dava conta de si novamente quando já estava dentro de outro sonho, outra narrativa curta. os cinco segundo mais alongados de todos os tempos. e dessa vez o lugar era menos escuro, mais suave. era um lugar aberto, um descampado por onde se estendia uma gramado ondulado que ia até uma linha infinita a sua frente. o sol era forte de modo que boa parte da paisagem se via em pequenos recortes feitos no tempo do abrir e fechar de pálpebras para proteger o globo ocular. dessa vez o menino falou, mas o diálogo foi rápido, ele disse não mais que seis palavras. ela disse três, certeiras... um medo crônico que se dissipou em não mais que um segundo e o menino quis olhar de novo e ela estava lá, sem desviar o olho. que recorte, que pintura. e então veio mais algum tempo de escurecimento, de teto preto, de saco de areia pesando nas costas e ele aparecia em outro, num cenário novo, e dessa vez foi menos verossímil do que as demais, ele demorou mais tempo para descobrir onde estava e quando foi tateando o olho devagar viu um guarda-roupa marrom e depois viu outro igual do lado, então sentiu as costas e viu a cama, era o quarto. pisou nos chinelos, andou dois cômodos até a cozinha e bebeu dois copos de água. nesse mundo existe muita confusão, pensou. votou a dormir até as 6h00 da manhã pra acordar e andar de bicicleta.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Rodinhas de gel

foto: Roberto José da Silva

com seu patinete por uma ladeira que chega à ponte do rio, o menino vai sem medo da descida. ela sempre parece mais perigosa na boca dos outros. no fundo ele sabe que algumas dessas insinuações, sobre o perigo que existe naquele descida, são reais, só não são tão alarmantes como dizem. então ele vai, com as rodas de gel tocando aquele asfalto fumegante, é verão, inicio do verão. a temporada de chuvas ainda está um pouco distante então ele aproveita todos os dias para descer com seu veículo de duas rodas pequenas. ouvindo uma música agressiva ele desce sem medo. nas laterais de sua visão está o bolsão esquecido. casebres velhos, lixo nas calçadas, pessoas que dormem por ali, em plena luz do dia com seus cobertores maltrapilhos e cheios de fedor e ácaros. dermatoses salientes, manchas na pele, é meio assustador e fedorento. existe a possibilidade de o nariz acostumar. o menino tranca a respiração toda vez que passa por alguns trechos da descida. é involuntário, ele vê ao longe a carniça e calcula sempre o tempo certo para simplesmente respirar fundo e trancar a respiração em seguida, é discreto, não desperta o olhar dos zumbis que por ali vagam, nessa chapada ensolarada, nessa ladeira com ar comprimido entre as fileiras de sobrados mal construídos, obras inacabadas e toscas, asfalto cinza com faixas amarelas e lixo pra fora dos sacos pretos, espalhado na rua, cheiro de zumbi espalhado, vagando, errante. essa descida tudo isso abriga e de tudo isso é feita, não adianta andar três quadras a dentro, para a esquerda e para a direita, vai ser a mesma merda, o mesmo cheiro e a mesma paisagem, mudam apenas as cores do acabamento das paredes. o menino desce, seu ponto de chegada é no fundo de vale, onde passa o rio, mas ele não quer se molhar, quer apenas olhar a água suja de cima da ponte. água fedorenta. o rio está assoreado, quase morto, talvez nem mereça mais o título de rio, é apenas um canal com leito esfalecendo. são no total duas pontes, uma na rua principal, outra uns duzentos metros de distância, servido de assistente a uma estrada paralela que leva aos prédios ricos da face sul da estrada. pela via principal não se pode acessá-los. uma grade está instalada para que os zumbis desbotados não entrem. antes é necessária a triagem pelo portão vermelho/bordo com arestas verdes. o menino pela centésima vez faz o trajeto e se sente tranquilo como em todas as outras. cruza um ou dois zumbis, os encara, olha no olho, mesmo que isso não seja possível. os olhos dos zumbis que habitam essas redondezas são rápidos estão sempre em movimento. mas mesmo com essa variante somada a velocidade que o patinete ganha a cada segundo, o menino encara pelo menos dois ou três dos zumbis errantes. não todos que cruza é claro, ai seria querer sofre e se aterrorizar demais. ele se fixa em poucos e suficientes. a experiência é proveitosa quando se sabe o momento de parar, o momento de se abster. ele então despreocupadamente chega ao fundo do vale e lá se sente diferente mas ao mesmo tempo igual, talvez seja essa a sensação causada pelo costume, ele se acostuma com o ambiente, a descida é pegajosa o suficiente para lhe causar algumas impressões e ele se acostuma com o ambiente, com o clima e com o cheiro mesmo sabendo que vai sair daquele lugar dali alguns instantes. não se sabe ao certo, mas ele talvez deseje degustar aquela descida. quando atinge o fundo de vale e vê a planície que se constitui nos próximos metros da rua, ele sente o patinete ir perdendo velocidade e então a frenética descida chega ao fim e da espaço a um caminhar mais calmo. os prédios grandiosos cercados de grades e com acesso e ponte exclusivos que por ventura poderiam ser seu objetivo inicial antes da descida, antes de todas as vinte vezes que fez esse trajeto na área dos zumbis, agora são quase passado, ele vê que no fim daquela planície ainda existe asfalto, aquele lugar já não é tão distante como parecia, a rua ainda é pavimentada. quando vê que suas rodas de gel estão desgastadas pelo sol e pelo calor, mas não tanto como esperava, percebe que é hora de rodar mais um pouco a frente e ver no que vai dar isso. ele então sente um leve gosto de deixar sua adorada e fedorenta descida para trás e ver o que tem atrás da planície no fim da rua. finge que não ouve a mãe chamar, ele não quer voltar para casa agora. e segue então para explorar cinco ou dez quadras que existem pra frente do fim da rua. ele se sente um explorador urbano, então toma uma decisão, vai correr até onde as duas rodinhas de gel aguentarem.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Maresia da tarde


Divisa natural entre os morros

O carro negro corre. O cambio curto e maleável, nas subidas tende a não morrer, parece que morre, mas são apenas espurgos de ar, uma inspirada direta que resolve o problema. Um soco no ar morro acima, escorregando em algumas pedras soltas com o estomago cheio de carne de uma churrascaria de quinta. Uma leve parada para a maresia da tarde. Uma e quinze, o sol ainda brilha alto, e tudo é tão claro que é difícil acertar a abertura da retina, as pálpebras ficam ágeis e se fecham afirmando que querem um descanso para enfim lacrimejar, lubrificar a face interna da pele que cobre o olho.

Uma corrida em media velocidade para detrás de onde pousam os aviões, de onde saem os vôos pesados e distantes. Couraças insustentáveis que simplesmente mentem para o ar, mentem para o ambiente e mesmo quando todos acham que vai decair um pouco que seja em uma de suas laterais, ele sobe soberano, explosivo e com uma vontade que é infinitamente maior do que as pequenas e frágeis estruturas que o compõem por dentro. Talvez seja o torrencial sopro vindo de murmúrios de bocas distantes, que estão no fim do continente, nos morros costeiros que dividem duas porções globais de água. De lá vê levantar o vento que faz esses barões dos ares terem esse nome, olhando para tragédia que se instala nos descampados que rodeiam sua subida.

Um ou outro espasmo na respiração antes de pedalar pelo gramado que rodeia o aeroporto, no fim da avenida dupla, cheia de sinais, cheia de semáforos e com o asfalto listrado de cinza. O vermelho é sempre assim, ele vem e te encontra no meio da tarde, no meio da noite, no fim, na divisa natural entre os morros. Um vermelho natural e pegajoso. Mais uma outra daquelas explosões, uma menos sensata e mais realista.

sábado, 17 de julho de 2010

Explosões travestidas



Centenas de caminhões que andam entre 80 e 100 km/h.

As pessoas precisam de uma roupa nova. Elas devem conhecer o conforto de cada umas das texturas dos mais diversos tecidos. As cores são importantes é claro. Os desenhos, a composição deles é imprescindível, eles devem estar afinados, cantando harmoniosamente a ponto de serem simples. Não deixando de lado nunca o fato de ter de ser surpreendente. O desenho a mão livre. A liberdade de andar, caminhar vagarosamente pelo crepúsculo noturno, a chuva fina, o vento gelado e forte que chacoalha os galhos de alguns eucaliptos. Andar lá fora e sentir-se confortável dentro de uma moletom, uma calça, cueca azul claro e um macio solado de borracha. Olhando sempre os buracos na rua e as manobras em alta velocidade entre milhares, centenas de caminhões que andam entre 80 e 100 km/h.

No começo era mais simples. Não sabendo encaixar as peças direto. Como único companheiros, somente o medo de ter que voltar e perder o tiro sem nem mesmo tentar. Sem poder saber se era a cabeça do adversário ou a sua que sangraria com uma explosão de carne queimada que descola da face oposta do crânio, o buraco por onde sai o projétil. O tiro certeiro. Eu tenho medo e quanto mais perto estiver dessa visão, menos ela me assombrará. O medo de que ela venha e sem pedir, me leve embora. Quero ver o que acontece quanto tudo ainda é recente, quando ainda está quente. Quando as coisas escuras estejam presentes apenas em pequenos flashes. Visões com pouca luz na noite perdida naquele bairro escuro e tão longe. Lá onde o triste fim é escrito a tiros no coração da mãe que grita na encruzilhada a morte violenta de um menino de uns 17 ou 19 anos que naquele dia perdeu. São apenas explosões travestidas.

domingo, 6 de junho de 2010

Pescoço e o machado


dores nas costas e no pescoço. um rocambole de cobertas enroladas preenchidas de uma pessoa oca e sem sono. depois de vinte tremedeiras seguidas, a acomodação. incomodado com a lista de pedras a serem explodidas com dinamite acionada pelos botões, sensíveis ao toque da digital. perdido mais esta vez numa flutuante virtualidade derivada da escuridão.

os olhos, fechados ou abertos não importam. tudo é tão silencioso, frio e anacrônico. alguns gritos mais uma vez expelidos de bocas uivantes na madrugada. são certamente mais de três da manhã. não ao certo talvez, mas é a hora exata dos início dos berros, dos rasgantes sons emitidos por bocas desesperadas. em pânico, tristemente pedem por favor que as tirem deste mar emareado de envolvimento, perdido com mastros, mas sem velas. tantos outros no andar superior expandem sem medo de desligar a luz apertando o interruptor. as imagens idas na fumaça que vai e vem da janela.

explosions in the sky

os riscos de luz vindos do reflexo do vapor não assustam como já fizeram a tanto tempo. deixaram o cargo de vilões e são caríssimos amigos agora. conduzem a uma calma sem perder de vista a pena que lhe vai fazer ter as maldita dores nas costas.

Indo em busca de alimento, em busca de algo simples e rápido para se comer vem a nociva notícia. a história que realmente causará o abalo do dia. a estrondosa situação marcante dentre tantas outras sangrentas que rolaram ao seu redor, na região metropolitana de seus sentidos, tangentes e alheias que lhe passaram com naturalidade e com pouca definição.

Todo homem tem que sofrer os malditos reflexos de suas ações imperfeitas. ele sabe que vai perder um dia a razão que deu a seus sentidos, a sua autonomia mentirosa. ele paga cada centavo, sem arregos terrenos como desconto automático em conta nem o limite do banco. estas possibilidades estão todas amarelas, pintadas em sépia. um jovem, um jogador, um ladrão honrado, todos sabiam, mas ninguém falava, esperando a hora de dizer sorrindo. um único tiro. uma única assinatura. entre o machado e o pescoço muitas coisas podem acontecer.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Horror



1.


os dois se encontraram no lado de cá da ponte. no horário marcado. tudo estava pronto para a viagem. mercadoria camuflada, tanque cheio e apenas duas armas. uma para cada um, o muambeiro podia ficar sem. ambos suspeitavam da dificuldade que ele tinha de se localizar, não poderia ser diferente com uma arma na mão. subiram no ônibus imaginando que podiam morrer ou pior, serem pegos. levaram consigo 30 munições. mal sabiam que iriam precisar de mais. as coisas não seriam como uma brincadeira de correr e atirar para trás. sem saber, alimentaram a opção de que daria certo, de que chegariam, de que o dinheiro receberiam. tudo ilusão, como putas ou restaurantes de fast food na beira da estrada.

* * *

2.


Eu sou pobre

Minha família é pobre

O mundo é pobre e mesquinho

Todos são ladrões

Vivem da escuridão

Com a angústia alheia se alimentam

Eu sou pobre

Decretem a linha de tiro

Projétil com sangue

Eu sou pobre

Atirem!

* * *

3.


Desta vez o deslocamento chegou ao extremo, mas pela primeira delas consegui ver no escuro, mesmo que isso custasse a moral, a credibilidade e todo o resto que achava que tinha. medo em todas as ações. apenas a pequena vontade de sair gritando como um maníaco que precisa urgentemente de uma camisa de força e de sedativos. mesmo assim conseguir não parar de pensar. Alguns gritos realmente aconteceram, mas eram bem mais modestos e contidos que nem fizeram efeito na turba de acusadores que povoam a sua casa e principalmente sua cabeça, suas conexões mentais. estes ladrões de energia. assaltam o que tinha de mais interessante. não admita que não deixem pensar no que quiser, na atrocidade, na cena mais podre que possa criar dentro da sua cabecinha fedorenta. tomado de surpresa cedeu as investidas criminosas destes que só queriam roubar seus pequenos segredinhos cabeludos para usá-los contra depois, num dia em que tivesse desatento. Comeu uma, duas, três vezes, mas o resultado era sempre o mesmo, perseguição mortífera.

* * *


postagem nº 100