quarta-feira, 29 de julho de 2009

Prioridade - Parte I


Agnes Montgomery

Conto escrito por Rodrigo Pinto

‘Jaque’, um sussurro. ‘Jaque’, um pouco mais alto. ‘Jaque!’, alto o bastante para Jaqueline olhar em minha direção.
- Jaque, preciso que você tire uma cópia daquele mapa pra mim. – sussurrei na sua porta. Só minha cabeça aparecia para ela, o resto do corpo me puxava de volta a minha cadeira com a força de um cabo-de-guerra.
- Vocês não têm computador em casa, não? – disse ela impacientemente doce.
- Claro, mas vou imprimir com o quê (com o cu?)?
Enquanto Jaqueline rolava os olhos pra cima como uma boa jovem de meia idade e se virava para o monitor compenetrada, eu tentava retornar ao meu posto a salvo, com a cabeça baixa e as mãos no bolso. Tentei bravamente passar despercebido pelo estagiário de nome Marlon, fingindo pegar um clipe no chão e dando alguns passos agachado até sair do seu campo de visão de lince carente quando ouvi sua voz dizendo qualquer nome que não era o meu, mas claramente se dirigindo a mim:
- Pssht, pegou o seu mapa-convite já? – perguntou o moço, levantando a cabeça atrás do monitor como se seu pescoço estivesse numa bandeja, e me observando ali agachado com a mão em um clipe de cor invisível.
- É... já pedi para a Jaqueline uma cópia, Marlon.
Não achei que ele ia ser tão arisco de me perguntar logo de primeira se eu compareceria na sua chácara para a comemoração dos seus 22 anos. Eu fui uma das únicas pessoas a não ser convidada pessoalmente e sinceramente achei que o estagiário de nome Marlon iria respeitar o protocolo e puxar um assunto banal com motivos misóginos e depois cobrar que eu fosse a sua festinha. Obviamente que minha presença seria inexistente, mas ainda sinto uma honesta fraqueza por socializações fora do ambiente laborioso e só o fato do estagiário de nome Marlon contar comigo em seu aniversário já me traz uma ressonância de boas vibrações para o dia todo.
Vencendo o dragão social com minha adaga introspectiva retornei a minha cadeira, desliguei o computador, joguei a calculadora na gaveta e os copos plásticos na lixeira. Me despedi de alguns e algumas, inclusive o estagiário de nome Marlon e seu Antônio do banheiro, no meu caminho até a porta da saída. Jaqueline já me esperava com o papel na mão, olhei para o papel e depois para a secretária que, aliás, tinha a cara da cor do papel e que deve ter estrias e varizes do formato das rotas do mapa impresso. Dei um peteleco no papel e sai porta a fora dizendo tchau sem olhar para a cara de a4.
O calor era do caralho. Descolei a camisa das costas e comecei a andar em direção de casa, mas sem antes passar numa rua chamada Belo Horizonte onde tem uma ótima panificadora com pães saborosos e funcionários antipáticos.
- Três pães, por favor. – A resposta não foi nem um olhar sequer, só as costas da mulher do dono e logo depois o saco com os três pães quase acertando meu rosto. Foda-se. Peguei uma garrafa de coca-cola e um pacote de leite B.
Cheguei em casa por volta das 5:40, me sentindo muito quente e com os pés doendo. Tirei o sapato para não sujar o piso e não demorou segundos para Rakim vir cheirar e lamber minhas meias suadas. Ô criatura! Afastando a besta com a perna, entrei jogando o pão na mesa, tirando a camiseta e me estirando no chão para a alegria do cachorro. Fiquei ali deitado por quase 10 minutos, com a camiseta no rosto, as costas grudadas no assoalho e os braços abertos como um goitacá baleado.

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domingo, 26 de julho de 2009

AKs-40esete

aqueles que antes eram bestas a solta na selva úmida, agora se ajoelham largando sem pudor sua armadura



Podia parecer que era perda de tempo. Mas aquilo mudava devagar. E sem falar do que foi ordenado entra na tumba maia, atira uma explosão de ódio como um assassino de bois vietnamitas e desfere os golpes de foice. Subverte a idéia de Deus para aquelas pobres criaturas armadas com seus ‘AKs-40esete’, aqueles que antes eram bestas a solta na selva úmida, agora se ajoelham largando sem pudor sua armadura de lama e tintacamuflagem, aceitando todas as malditas condições que este gesto teria como cobrança. Eu sei não é assim, mas deixa-me mentir, pelo mais algumas vezes até que tudo isso possa ser esquecido num incenso que incendeia a cabeça do ‘pipextralongoasiático’.

Eu acredito ainda nas regras que este jogo escatológico coloca a vista como aqueles que expõem em suas vitrines seus sapatos e roupas caras, ilustrando que tudo que é aproveitável será corroído pela moda ou pela traça dos guarda-roupas gastos. É o fim antes do começo, a pupila amanhece dilatada e morre na noite dilatada. Aberta. Ser um eterno parasita que precisa de uma introspecção mentirosamente induzida, e mata, e assassina a si mesmo com as mãos dos que estão do outro lado da linha vermelha, atirando nas marcas que as bitucas fazem na escuridão.Escrevendo em letrasflashs a palavra “morte” rapidamente. Das portas do pequeno barco pedem o ataque aéreo, o fim explosivo se aproxima.

Veloz como a cavalaria, senhoril e indestrutível como um feudo lava com chamas uma massa esquecida e destituída de valores moralistas como vida ou ‘cabeçapresa’ no pescoço. Lendo as poesias auto-condenativas na porta da cabana molhada, ele pede, mais não vai morrer assim tão facilmente. Não agora.

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Tomar um território não significa libertá-lo. Não é nada além de necessidade de se ter algo cada vez mais e maior nem que para isso tenha que se matar o próprio ego enlouquecendo aos olhos dos que ‘tudovêem’.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Profilaxia






Você com a arma do lado Tome cuidado na briga que esse rei na barriga Tá ficando velho Alto lá nego doido Tá com medo pra que veio Tá com perna bamba de quem vai morrer Eu tô cansado da TV e do bombardeio da moda Manda comprar tudo que eu ver Tudo que ela tem pra vender Eu tô cansado eu sou um calo nos dedo Da mão na roda Que não para de crescer A lei não sabe a diferença o que é ser e ficar louco O remédio é tão forte que mata cada dia um pouco Se todo excesso fosse visto como fraqueza E não como insulto Já me tirava do sufoco.

Filosofia Raimundana

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O tempo todo eu pensava que o que sentia era simpatia, quando na verdade era empatia. Não vou ficar aqui exagerando a importância dessa sutileza semântica, mas acho que ela merece um comentário, pois quando duas palavras-chave tombam uma por cima da outra desse jeito, pode ter certeza: há alguma coisa em marcha. Sem hesitação, sem repetição, sem rodeios. São como a confluência de dois rios – dois processos, mais do que dois objetos. É, e também como dois verbos, e não dois substantivos.

Will Self

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Empatia: projeção imaginária ou mental de um estado subjetivo, quer afetivo, quer conato ou cognitivo, nos elementos de uma obra de arte ou de um objeto natural, de modo que estes parecem imbuídos dele. Na psicanálise, estado de espírito no qual uma pessoa se identifica com outra, presumindo sentir o que esta está sentindo.

Dicionário Michaelis




ele volta a tomar a colina para si mais uma vez. ela estava mais sedutora e pornográfica a cada dia.