quinta-feira, 26 de junho de 2008

O que escondemos

Mentira Mentira

Mentira Mentira

Mentira Mentira

Mentira Mentira


Raiva Raiva

Raiva Raiva

Raiva Raiva

Raiva Raiva


Morte Morte

Morte Morte

Morte Morte

Morte Morte


Roubo Roubo

Roubo Roubo

Roubo Roubo

Roubo Roubo


* * * * * *

Escondido na língua, escondido no subconsciente, escondido debaixo da terra, escondido no bolso.
Escondido porque? Vergonha? hipócrita...

terça-feira, 17 de junho de 2008

Pedaços do meu bloco de anotações




A mesa da cantina

As conversas mais triviais.

Momentos quase sem sentido.

Das coisas mais comuns as anormais.

Tudo num momento incontido, vazio, perdido.

Sem pretensões, lamurias, perdido.

Coisas sem sentido.

Mais um dia ido, esvaído, será esquecido.

Comum. Ao Sol. Comum.

Um aglomerado de coisas que se vão ali. Na esquina.

Eu, você, você, você e eles.

Nenhum. Nenhum. Nenhum.

* * * * *

O “SER” é mais que isso tudo.

Ser humano.

Ser urbano.

Ser rural.

Ser louco.

Ser normal.

Ser discreto.

Ser extravagante.

Ser constante, inconstante.

Ser retraído, reprimido.

Ser traidor.

Ser traído.

Ser mulher.

Ser mentira.

Ser amor.

Ser mentira.

Ser consciente.

Ser ausente.

Ser e apenas ser.

Ser e não ter.

Ser e nunca mais ver.

Ser, ver, viver, esquecer.

Ser e um dia não mais querer.

Ser mais do que se quer ser.

Ser e existir.

Ser e sentir.

Ser e desistir.

Ser e mentir.

Ser duvidando do que se é.

Ser certo do que quer.

Ser o que quiser.

Ser e morrer.

Ser, viver e morrer.

Ser suicida.

Ser e ter amor à vida.

Ser mutável.

Ser retornável.

Ser arrependido.

Ser e nunca ter vivido.

Ser esquecido.

Ser despercebido.

Ser distraído.

Ser desgraçado.

Ser amado.

Ser aos poucos deixado de lado.

Ser rural.

Ser urbano.

Ser humano.

* * * * *

Nota do Autor: Escrever um diário é algo quase sempre normal entre nós todos, seres expressivos.
Mas escrever recortes, pequenos relatos deconexos parece revelar algumas coisas que fogem do normal, do comum, do que vemos facilmente por ai.
Pode parecer um discurso caracteristico da identidade pós-moderna, e por mais que esta seja clássica pela quebra das barreiras impostas pelos movimentos predecessores, eu ainda prefiro o paradoxo entre as fronteiras. Ou seja, ora a prosa, ora a poesia, ora a linearidade seca, ora a rima.
Não me orgulho disso, nem me acho especial. Pelo contrário, sou apenas um medíocre que acha desvendar pequenas coisas. Coisas que se vão no segundo seguinte, meu bloco de anotações é minha muleta. Minha distração é minha desgraça, meu amor, meu mundo, minha perdição, minha maldição. Nostaugica maldição.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

O que sobrou no dia seguinte




Jim Vecchi

Muro das Maravilhas


Bang, Bang, minha cabeça bate.

Eu quero e já não quero mais.

Tudo muda para sempre, num minuto volta atrás.

Uma esperança, eu não quero mais.

Mas não tenho essa força toda.

Está aqui, em algum lugar.

Não sei onde, nem mais porque.

Vou embora querendo ficar.

Tarde demais.

Pelo menos por enquanto.

Morrer não será suficiente.

Vivo, morto, semi-morto, zumbi.

A cabeça bate contra o muro. Muro das maravilhas.

O sangue não jorra mais.

* * * *

Feliz ou infelizmente

Um dia eu olhei. Por mais que fosse mentira, tudo estava lá.

Errei.

Naquele dia ela não olhou. Foi sincera o suficiente.

Seu sentimento maldito revelou.

Uma vez, duas ou três. A tentação não passa.

No momento, naquele momento ela veio.

Meu amor e seu receio.

Eu digo, finjo, minto, duvido, me purifico.

É inútil ter certeza.

Eu não quero errar, ela quer mais do que nunca.

Entrar, sentar, chorar, tristeza.

A chuva lava tudo.

Se confunde com o que brota no rosto.

Tão sincero e mentiroso. Bendito e doloroso.

Tudo, enfim, acaba.

A falta que faz. A dor que faz. Nada foi suficiente.

Um fraco perfeito. Um bom companheiro indesejado.

Tão rápido que se torna inacreditável.

Tudo que foi um dia parece não ter sido.

Mentira? Verdade? Penumbra?

Quem diz? Nem eu, nem você.

Ele, o tempo, que aquele dia não olhou para traz.

O maldito sentimento não mais revelou.

Uma vez, duas ou três.

A dor que faz. Nada foi suficiente.

Foi e ficou para traz.

Feliz ou infelizmente.

* * * * *

Esqueça

O tempo passou tão rápido.

A distância ficou tão longa.

Não acredito, não entendo e pronto.

É verdade. Vai passar.

Não sei quando nem onde.

Aquele dia pode ser tarde.

Esqueça.

Está muito longe ainda.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Max, 15 dias antes de morrer – Parte 5

Caminhar sem observar. Os dois misteriosos senhores. A notícia confusa e sem explicações.



Owaki


Ao fim da estrada, depois de um dia inteiro no caminho errado, Max volta a si. Já era oito da noite, o sol já havia deixado aquele mundo há algumas horas. Ele estava completamente exausto, apesar de não sentir isso tão intensamente. Seus dedos dos pés doíam como nunca. Aqueles tênis, apesar de velhos, gastos e no formato exato dos membros, estavam saturando a carne úmida pelo suor.

Max resolveu sentar. Ali mesmo naquela calçada desconhecia, com pedras brutas, sem corte ou formato industrializado, ele depositou com calma toda sua musculatura, queria sentir, tatear aquela áspera superfície. Seus sentidos aos poucos voltavam, sua razão podia agora ser retomada. O turbilhão, intenso e arrebatador passava calmamente. Ele se refazia depois de um período absurdo de conturbação, algo extra-humano.

As caminhadas sempre foram freqüentes em sua vida. Acostumado a sempre sair antes para poder ir a pé, longas distâncias não o cansavam fácil. Isso se dava de uma maneira muito mais funcional do que por um bel prazer. Max nunca teve carro, nem mesmo sua família. Ou ônibus, ou da maneira mais tradicional e antiga de locomoção do ser humano, com as próprias pernas.

Cogitou uma vez, um pouco antes das férias, comprar uma bicicleta. Seria útil, pensava ele, já que por muito tempo sua amarelinha de banco vermelho lhe servira muito bem, e com sua manutenção pouco havia despendido. Más, devido a sua preocupação com o trânsito caótico daquela cidade, achou melhor e mais seguro manter-se nas calçadas a caminhar, ao invés de disputar o precioso espaço das ruas, ocupadas pelos dominadores veículos a motor.

Caminhar o trazia algo que por muito tempo nem se dera conta. Sua observação, com a lentidão dos percursos, aumentara. Suas “viagens”, mais lentas do que as feitas em veículos, proporcionavam um conhecimento maior dos caminhos, das paisagens, das pessoas, daquele mundo, ora estranho, ora tão simples e comum. Os detalhes das nuvens eram seu deleite, só havia algo mais apaixonante do que olhá-las, a observação das estrelas. Caminhar a noite era menos sensato, porém, muito mais prazeroso para ele. Porem, aquela caminhada fora bem diferente. Dela nenhum detalhe ele guardara, não sabia nem por onde andara, apenas sabia que tinha sido longa e dolorosa.

Um ar súbito, sem origem, sem direção nenhuma, apenas com uma força descomunal abriu sua camisa, e como um ladrão que não avisa nem bate a porta com delicadeza o invadiu, ele sentiu cada centímetro. Sentiu o chão, e a dor de seus pés era a mais aguda de todas as sensações. Como que tivesse escamas nos olhos, e estas fossem sem mais nem menos retiradas, ele voltou a enxergar. Respirou tão fundo, que cada brônquio ardeu e congelou, o frescor que doía o fez definitivamente voltar ao mundo, o tempo havia chegado.

Alguns cochichos, lentos e distantes, e ele reconhece, mesmo que ainda vagarosamente, o lugar onde se encontra. Um local jamais visto por ele fisicamente, talvez em sonhos esquecidos o tivesse conhecido, mas isto não passava de uma gaveta entreaberta em sua mente. Todo seu poder cognitivo aplicado, e nada. Perdido, num lugar que apenas vira em sonhos esquecidos.

A ansiedade veio, suas pernas, cansadas, começaram a tremer, a saltitar num movimento frenético. Estralava os dedos, coçava a cabeça, olhava para os lados com movimentos rápidos. – Onde eu estou meu Deus? Que lugar maldito é este? – se perguntava.

Na esquina, uma pequena luz. Um velho poste, com os vitrais amarelados, quase densos, longe da transparência necessária para uma boa iluminação. Em pé, a poucos metros do poste, um homem. Uma figura bem vestida, com um paletó preto e sapatos tão lustrados que brilhavam com a luz rala.

Max, com muita dificuldade se levantou, e foi até o homem em busca de alguma explicação. Eram, de acordo com sua visão, apenas eles naquele lugar. Aquele silêncio, diferente das multidões que ocupavam a ruas diariamente, o deixava ensurdecido e melancólico. Mesmo assim, conseguia controlar o desespero. Andava rapidamente e com muita dor, até o homem.

- O senhor, que faz aqui? Que lugar tenebroso é este?

- Eu é que pergunto, quem é você?

- A sim, me desculpe, sou Max, Max Montese, muito prazer?

- Sim é claro, já o esperava, chegou cedo. Isso estava previsto somente para daqui um tempo. Mas já que está aqui...

- Não, não, há algum engano, não era para eu estar aqui, na verdade nem sei como vim parar aqui. O senhor sabe que caminho tomo para voltar?

- Caminho, que caminho? Voltar, voltar pra onde?

- Senhor, o senhor não está entendendo, não sou daqui, acho que devo ter me perdido, amanhã cedo tenho compromissos inadiáveis, hoje já passei o dia inteiro fora e nem dei satisfações a ninguém, preciso voltar imediatamente, logo ficará tarde e daí, daí será mais difícil voltar, à medida que escurece tudo fica mais difícil.

- Compromissos? Satisfações? Imediatamente? Tarde? Difícil? Que significa isso, quem pensa que é? Onde pensa que está? Você já se decidiu, mesmo com toda inexperiência, mas foi algo vindo de você, agora, agora tudo fica para trás. Você já devia ter consciência disso meu caro.

- Não, não, o senhor definitivamente está me confundindo, ou não esta em sua lucidez plena. Eu não o conheço e não me lembro de ter decidido nada. Quer saber, deixa pra lá. Só me diga aonde este caminho aqui vai dar. – Apontou firmemente para o lado da rua por onde acreditava ter vindo, mesmo com toda a incerteza a respeito disso.

- Que importa onde vai dar, você não chegará a lugar nenhum. Esse mundo é apenas isto. Aceite e descobrirá o caminho, e isso se ele existir um dia. A decisão foi sua, e a saída é algo que, no momento, a você está vetada. A fuga resulta nisso, eu e ele achávamos que você sabia, mas parece que não, agora é tarde demais.

- Como assim? Pare com essa ladainha. Você e quem? Quem? Tem mais alguém por aqui?- Max gritou desesperado e desconfiado, com muito medo.

Neste momento, um outro senhor, mais simples e menos refinado no vestuário quanto o primeiro, sai por detrás das sobras, no limite da luz do poste.

- Olá rapaz, passou rápido não é, o tempo tem passado rápido ultimamente.

- Quem é você, te conheço? Meu Deus chega, quem são vocês, estão me deixando maluco, alguém me de uma explicação plausível, chega de enigmas, chega de charadas, só quero ir embora, voltar pro meu quarto, dormir e esquecer este dia, se é que dele guardo alguma lembrança.

Neste momento, o segundo homem se aproxima do primeiro, os dois são muito parecidos, a face é quase a mesma. Mas os semblantes distintos, algo como irmãos gememos criados em climas diferentes. Ambos se olham e voltam para Max, que está ofegante, a dúvida era tão grande que ele queria atacá-los e expurgar uma resposta a força.

- Max você está morto! – Numa coesão perfeita, algo tão sonoro quanto uma música.

-Eu o que?

Os dois viram as costas e somem na escuridão.

Max sai correndo atrás deles. Corre por diversas ruas, e sempre volta ao poste. Um labirinto. O tempo não passa mais tão rapidamente como antes. A clausura parece alongar as distancias e os minutos.



* * * * *

São apenas mais dois capítulos. O fim está próximo.


* * * * *

"... aquele dia será inesquecísvel, alguma coisa eu já prescentia, mesmo assim me espantei com a notícia. Ele sempre foi desatento. Não sei se de propósito ou se ele nem sentia mais. Ao final de tudo eu já esperava, sempre soube que seria assim." - Diário de Vlad Constâncio

domingo, 8 de junho de 2008

Questão de tempo

Hoje fazemos uma justa homenagem a um grande amigo. Pelos seus 20 anos completados ontem.

uma verdade sem censura
algumas coisas ditas sem receio
alguns tiros e tragos no escuro, sem medo
uma vontade de olhar, ver, sem descrever

essa é a essência daquele que trabalha,
brinca, cria e inventa no mundo das palavras

arriscado demais?
difícil, penoso e ingrato?
quem sabe?
você sabe?

um dia descobriremos
sem pensar que foi tarde demais
infelizmente as coisas boas vem no tempo certo
sem perguntar se este é o nosso tempo

no fundo, como diria um grande filósofo das ruas
tudo é uma questão de tempo
tempo que passa rápido demais

20 dias
20 meses
20 anos

tudo que queriamos abreviar
tudo pela vontade de ver
ver o que se é
ver o que se pode ser
ver o que será

o que será?
o que será?
o que será?

tudo é uma questão de tempo
de tudo, é isso que posso dizer

* * * * *

"É com você Rodrigo..." - standup da 116

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Max, 15 dias antes de morrer - Parte 4

A perda dos cabelos e a verdade dita por um possivel companheiro.

Arne Hodalic

Após acordar daquela noite maldita, se levantava com o maior desespero da sua vida. Sua tristeza e desgraça pareciam ser tão grandes que ele teve todos os pensamentos apagados de sua mente, nem mesmo a faculdade e a esperança de algo maior no futuro, nada o conseguia segurar ou roubar seu desespero.

Tudo que ele havia conseguido até ali, com grande esforço e sem ajuda nenhuma, não lhe era mais agradável. Suas conquistas mais próximas haviam superado as expectativas, não que ele não as aguardasse com muita vontade, mas simplesmente não as esperava tão cedo. Uma grande faculdade, onde estava no meio de grandes mestres, com os quais aprenderia coisas que o tornariam num grande profissional um dia. Muito diferente do futuro cogitado por muitos que o viram em sua pequena cidadezinha. Um possível atendente de sorveteria para o resto da vida, no máximo um gerentezinho de alguma empresinha qualquer. Mas não, sua vida, definitivamente havia tomado um rumo decente. Em breve seria um profissional com formação em uma ótima instituição. Uma conquista da qual podia sentir-se feliz. Apenas podia, mas não sentia.

Muitos de seus amigos, inclusive Vlad, não haviam sequer conseguido algo parecido. Ainda esperavam na pequena cidade e por cartas contavam suas façanhas. Tanto Max quanto Vlad levavam vidas quase que semelhantes e retratavam um para o outro pelas inúmeras cartas. Um falava sobre a medíocre vida de trabalho no supermercado e depois uma ou duas cervejas no bar da esquina, e o outro da medíocre vida na faculdade e das duas ou três cervejas nos bares que a rodeavam, sempre sozinhos nestas ocasiões.

As conversas sobre o sistema decadente, sobre as políticas dominadoras, sobre a gigante massa de manobra, sobre as grandes revoluções já não preenchiam as correspondências. Apenas o desespero ante uma vida sem estímulos, sem sentido. Por mais que infindos objetivos lhes fossem exibidos no horizonte, não viam um palmo a frente dos olhos. Max não suportava mais. Por muito tempo a sua janela, o vento que a tocava e suas viagens solitárias em seu mundo interno, em seu oráculo, o haviam preenchido. Elas o abandonaram. Ele se via só e desgraçado. Suplicava diariamente para que voltassem, para que seu desejo de viver, seus sonhos, sua vida, suas ilusões com um possível futuro tomassem a sua mente novamente. Mesmo que não fora tão feliz assim como imaginara, ainda assim preferia iludir a si mesmo do que viver friamente na luz e no esclarecimento. Ele estava à mercê de uma vida clara, seria e obediente. Preferia morrer a continuar assim.

Seu emprego conquistado há dias e dias de insistência e muitas demonstrações de valor poderia ser algo que o tirasse desta descida sem fim. Mas em pouco tempo, abandonado por sua aura de vitalidade, foi abandonado também pela saúde física e mental. Perder o emprego foi uma questão de tempo. Estava novamente na sarjeta de um mês antes. Enfim, tinha perdido quase tudo.

Após sair de dentro de seu quarto sujo e desarrumado ao extremo, foi até o banheiro, apanhou uma gilete para barbear-se. Ao olhar seu rosto bem conhecido no pequeno espelho manchado desistiu de cortar a barba. Jogou a gilete novamente dentro da pia. Voltou ao quarto, pegou uma tesoura pequena, de cabo preto e bem afiada, foi ao banheiro novamente. Seu cabelo que tinha um comprimento razoável, pois não o cortava há alguns meses, teve as pontas puxadas para cima com muita violência. Cortava mecha por mecha com muita força. A tesoura passava sem dificuldade nenhuma. Em poucos minutos estava quase totalmente careca. Ainda lhe restava uma camada muito rala e fina de cabelo. Pegou a gilete que estava por baixo dos tufos de cabelo no fundo da pia. Percebeu que ela tinha uma das extremidades quebradas, devido à força com que fora lançada dentro da pia de louça branca. Lavou cuidadosamente a lâmina, e finalmente a passou levemente, agora com delicadeza por sobre a rala camada de cabelos que ainda estavam presos em sua cabeça.

Um jato fraco de água do chuveiro foi suficiente para lavar aquela, agora, pelada cabeça. Entrou no quarto, pegou uma velha touca preta, vestiu e saiu, ainda com alguns respingos de água nas roupas e alguns fios de cabelo presos à trama da calça e no cadarço do tênis.

Desceu as escadas tão rápido e transtornado que não cumprimentou ninguém que por ele passou, nem mesmo os vizinhos do prédio. Na verdade ele nem os viu, sues pensamentos o haviam dominado.

Indo até a praça abandonada, no centro da cidade, sentou-se num dos bancos. Do lado esquerdo alguns ônibus vazios passavam. Era muito cedo e estava frio, um frio congelante. O vento que passava pela trama da touca preta congelava sua cabeça, ainda um pouco úmida. Ele olhava para o céu nublado. Ao fundo alguns tons laranjados por trás das nuvens. O sol vinha, para alegria de uns e para a tristeza de Max. Porém ele estava disposto a suportar a luz do dia. - Chega de correr disso, é inevitável, vou me entregar de uma vez por todas – disse a si mesmo em voz baixa.

Por ali, bem próximo do lugar onde Max estava sentado, um velho homem, coberto por jornais assistia a cena e via o desespero nos olhos daquele rapaz. Um desespero inconfundível para aquele velho morador das ruas. Ele logo percebeu o que se passava com Max, e assim tentou puxar conversa, talvez um diálogo, uma demonstração de experiências empíricas o faria bem. Quem sabe algo poderia ser mudado naquela mente, visivelmente conturbada.

- Que faz aqui tão cedo moleque? Não são nem seis horas ainda.

- O lugar é seu, velho do caralho? Durma ai antes que eu o faça dormir para sempre.

- Calma meu filho, só lhe fiz uma pergunta. O fedor lhe incomoda?

- Foda-se! Me importa sua petulância, essa porra de lugar ainda é público, e não vejo nenhum nome escrito neste banco. Quanto às horas, o tempo é o menos importante, ainda mais para você, tanto faz se é dia ou noite sempre está ai deitado nesse colchão pulguento e fedendo cachaça.

- Nossa, alguém acordou mesmo nervoso hoje. Tudo bem filho, foda-se mesmo. Afinal, o tempo não passa para mim, grande descoberta a sua. Não importa se estou bêbado, ou sujo, ou jogado aqui sem ninguém, a vida de um desgraçado é esta mesmo. Não achava que ainda existiam pessoas que percebiam isto, mas agora vejo que existem muitos ai como eu, desgraçados, e o pior, sabem disso!

- É mesmo? Parabéns! Agora me deixe, vá pedir esmolas. Quer um cigarro? Pegue aqui e não me importune mais com sua filosofia morta junto com sua vergonha.

- Não obrigado, chega de anestesias. Hoje é segunda-feira, dia de reflexão. Dia de relembrar tudo que fomos e tentar esboçar alguma esperança no que seremos. Só esboçar. A realidade é fácil de ser vista e difícil de ser digerida. Quando chegar a hora me anestesio de novo. Assim como você, grande sujeito que desvendou sua própria realidade, apesar de ser meio cedo para isso.

- Sim, velho filho-da-puta, chega dessa merda toda. Se quer saber a verdade, é isso mesmo, então foda-se! Quanto mais cedo melhor, assim não fico nessa ilusão que você deve ter ficado por muito tempo. Agora chega, vou sair daqui, não agüento mais esse cheiro.

- Isso, vá embora. Sei que voltará. Seremos companheiros, você apenas não aceitou isso ainda. O processo de aceitação vem logo depois da descoberta. Da grande descoberta de que sua vida medíocre não tem mais nenhum sentido e que tudo pode desabar agora mesmo. Aceitar é apenas uma questão de tempo.

Enquanto Max sai dali correndo, sem rumo, o velho permanecia gritando a frase – é apenas uma questão de tempo – até que Max estivesse longe suficiente para não ouvi-lo mais.

- Velho maldito! Ele tem razão, filho-da-puta – Max pensava em cada palavra do mendigo. A verdade lhe doía. Sabia que quando se descobre que é um desgraçado, quando a esperança se vai junto com cada tragada de cigarro, quando as coisas começam a sumir diante dos olhos, a sarjeta é uma questão de tempo. Tempo, algo que ele queria abreviar.

- Um velho, um velho fedorento, isso não, nunca! – Max gritou. E sem rumo, naquela rua vazia ele corria. O vento frio cortava seu rosto. Ele só queria ir o mais longe que pudesse. Um paradoxo entre aceitar e fugir se debatia em sua mente, ainda conturbada. Não via mais nada, em plena luz do dia. O tempo passava rápido, mais do que nunca, para ele.


* * * * *

Max está de volta.

* * * * *

"...depois de sete dias enclausurado ele acorda, sua vida nunca mais seria a mesma. Nenhum dos que o conheceram um dia entendiam o porque daquilo, nem mesmo eu, sempre achei que sabia. Ele sempre foi um enigma para mim. Hoje sei que dele, quase nada soube." - diário de Vlad Constâncio