segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Desaparecido


City of Tijuana

chamam-me desaparecido
que quando chega já foi indo
voando eu venho, voando vou
depressa, depressa a um rumo perdido.
quando me procuram nunca estou
quando me encontram eu não sou
ele que está na frente porque já
fui correndo mais pra lá

me dizem o desaparecido
fantasma que nunca está
me dizem o desagradecido
mas essa não é a verdade
eu levo no corpo uma dor
que não me deixa respirar
levo no corpo um castigo
que sempre me pôe pra caminhar.
eu levo no corpo um motor
que nunca deixa de parar
levo na alma um caminho
destinado a nunca chegar.
me chamam o desaparecido
que quando chega já se foi indo

voando venho, voando vou
depressa, depressa a rumo perdido.

* * * * *

'Perdido en el siglo... siglo XX... rumbo al XXI' - Manu Chao

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

ensaiando para as três das onze

esperando tudo acabar pra ganhar meu dinheiro miado. metade é minha por direito.



a chegada do gordo

a luz que vem por debaixo do portão de ferro não chega. a que sai do tubo da tv espera acesa e solitária no outro cômodo. o som seco e agudo reverbera no corredor, foge do isolamento daquela sala de piso azulejado e paredes encarpetadas. lá dentro duas lâmpadas, uma delas queimada, se dependuram em sua forma de morcego no forro de gesso. tudo parece tão solitário e frio. nada começa antes que a última das quatro luzes pisque por debaixo do portão cinza, com a tinta descamando com a ação do tempo. a luz não virá com o clicar do interruptor. ela é bem mais espontânea do que o necessário. vêm e vai quando quer. paga um quarto do montante que abre a porta do quarto rígido, onde o som é produzido. lá dentro, tudo é incompleto antes de sua chegada. o agudo fica sem o grave. o irmão fica sem sua metade gêmea gorda. ela ainda não veio por debaixo do portão de ferro.

‘case’ do canguru

elas são duas tímidas e caladas. olham a batida ser feita e o toque das cordas acontecer. se perdem em duas horas do mais ensurdecedor empurrão de ondas de ar que vêm e vão das peles sintéticas dos tambores e das paredes aveludadas. vem esporadicamente. elas fazem questão de acompanhar seus machos. um deles é apenas amante, o outro faz que não vê para poder manter as aparências e não ser incomodado quando entrar em seu ritual de distanciamento das coisas tangíveis. quando o som vira sabor e o cheiro vira vibração no ar é que elas percebem o quanto o maldito ar condicionado faz falta. o chão fica suado e elas são as únicas que não escorregam. isso porque estão inertes e coladas nas paredes enquanto tudo se constrói e se desmancha num piscar de olhos ao seu redor. elas querem ver para doer menos quando não puderem mais ir e acompanhar seus machos. perdem o medo de perder a personalidade em troca de um beijo nos lábios, em troca daquela vibração solta no ar.

desafinadas escrotas

parece meio lógico. não saber fazer significa não conseguir fazer. isso é uma equação bem lógica. descobrir isso pode levar um certo tempo e uma rede de elogios falsos pode deixar o processo de auto rejeição mais distante e obsoleto. velho a tal ponto que o resultado de um banho de água fria pode ser desesperador, minando até mesmo o desejo mais profundo e objetivo de busca pelo prazer real. mentir para si mesmo é escroto. fugir e falsificar opiniões a respeito do aceitável pode ser pior para todas as malditas partes. todas são fabricações de segunda mão. mal costuradas e mal bordadas, com brasões sem o menor indício de autenticidade. o bumbo continua a acompanhar o falso talento. a gritaria escrota continua a embalar minha insônia.

* * * * *

prosa sobre a mesa de madeira de lei. a caneta bic azul clássica surfando na parte de trás dos documentos velhos que antes de morrer no fundo da lixeira, servem de rascunho.