quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A Insípida e O Idiota





o último do maço. salto sem esperanças

Entra no correndor atravessado, caçando o alto da cabeça e desajeitadamente erguendo as calças. Encostado na porta de vidro, O Idiota olha para o além, disperso e retraído. A Insípida vem logo atrás e pede um cigarro. É o último do maço, terão de fumar juntos. O Idiota sente-se cada vez mais intimidado, mas tenta compensar sua vulnerabilidade da forma mais errada, abrindo brechas desnecessárias na conversa, errante num limbo de inexperiência e total apreensão.

A Insípida percebe naquele coçar de cabeça, andar de pés pra fora e cinto frouxo, algo que ela vê diariamente em si mesma, a distração. “Ele é devagar porque é lesado ou simplesmente é devagar mesmo?” pensa rapidamente enquanto solta a fumaça e desvia o olhar quando O Idiota finalmente toma a atitude já esperada de contemplar os pequenos olhos verdes de A Insípida.

O polegar da mão direita pende a borda da calça para baixo. A calcinha amarela de bolinhas brancas dela mostra seu potencial sedutor em meio a uma cena quase infantil. O Idiota se excita, mas para ele, a esta altura, nada mais será possível. Ele passa o cigarro novamente. Ela fuma mais um pouco. Joga fora. Não vai embora. Permanece no corredor entre a porta e o muro.

É lá, sim, é lá. Ao sul extremo. As estrelas consolam os desejos tímidos e coagidos de O Idiota. Com o olhar agora fixo no perfil dela. A Insípida sente que é hora de agir. Ele vai aceitar. Entre o certo e o mal feito. No corredor sem escolha, dentre tantas opções, ambos escolhem a inércia.

Ela sai. Ele sai. Sentados no sofá, sem palavras, sem nenhuma forma de expressão eles adormecem por vinte minutos. Depois ela vai embora. A luz se apaga. Ele sem esperanças se joga do sexto andar.

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'se todo excesso fosse visto como fraqueza e não como insulto, já me tirava do sufoco. a porta tá sempre aberta pro povo' - FR

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Hora do Traçado


traços. alguns riscos no papel branco. sobrepostos na cor. verde rabiscado por outros sub-verdes. traços. riscos no papel quadriculado. boca em forma de nariz, nariz/boca. mapas do mundo onde se caça javalis. traços. sortidos em estilos e efeitos. mão sobre mão no traço da contracapa do caderno.



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'o simples desenho a lápis é expressão pura' - Raimundo Oachunam

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Eidese. A única saída por enquanto

Notas do subsolo. Ou seria do sótão encantado?

Eu queria controlar, de verdade, mas a maldita relação entre o tempo e o espaço me impede. Primeiro porque não depende de mim mais, entende como é difícil não ter mais as coisas sob seu controle? O que tinha de ser feito está, mas parece que ainda falta. Na verdade falta um único detalhe. O menor de todos. O vacilo no tempo. O tempo que agora espero mais do que nunca.

Me sinto machucado. Com, uma ferida que dói demais e ao mesmo tempo me faz sentir uma vida que não existia antes. Uma nova conjunção, uma nova forma de ver como as asas que batem nas entranhas ainda podiam existir, claro que nunca mais igual como fora. Parece que desta vez as coisas são mais acertadas, mais parecidas, mais engrenadas. Ao passo que vejo que na verdade ainda está meio longe daquela organização completa, daquele jeito como se deve ser.

A minha eidese não me deixou só, ao menos desta vez. Por mais que venha fragmentada, aos poucos, com cada nuance surgindo de uma vez, quando me pego no fim de um devaneio vejo toda a revelação física completa como de um salto; sempre do micro para o macro. Um macro completo e regado a traços perfeitos, no gosto, no cheiro e na intensidade do cabelo.

Quando menos espero a visão das coisas que foram vividas são reais de novo. Milímetro por milímetro daquele quarto fica tão parecido com outro de dias passados. Naquele segundo esqueço de todo o resto e até expulso posso ser com um sorriso no rosto. Uma alegria me invade e segundos depois, ao fim do devaneio, traz junto consigo a realidade dura e intransponível.

O detalhe menos importante é o tempo. Que ele tenda a passar rápido. Enquanto isso, fico aqui, esperando ‘la última ola’. Lá em cima, Betelgeuse, a gigante vermelha me diz que mesmo que ela esteja morta, ainda sua luz eu vejo. Sua luz vermelha. Intensa, gigantesca em espécie e conteúdo. Só assim da pra perceber o quanto o tempo não importa, por mais que ele tente te matar, se foi verdade, uma verdade dotada de luz própria, nunca se extinguirá. E eu, como antes mesmo, continuarei aqui, esperando o torcendo.

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"esperando la ultima ola. arriba la luna ohea" - oachunam