quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Esperança a 70 graus celsius


“Acenda a pequena luz opaca e retenha o que puder, sempre.” – Livro dos conselhos esquecidos na edição


Collart Herve



Caminhando pela avenida cheia eu vejo tantas pessoas.

Diferentemente de um olhar perdido e vazio, tenho uma visão meticulosa e estranha deste lugar.

Uns tão diferentes dos outros, outros mais ainda.

Devagar a senhora atravessa a rua, sua bengala e grauda-chuva.

Um dia de sol, apenas o vento frio corta e mevimenta a visão solitária.

Negors e brancos, pardos e orientais.

Perdidos numa multidão de fumaça e carros, onibus, motos, pessoas.

Orfãos de orgãos.

Sem olhos e acéfalos.

Levados pelo gosto agridoce da garoa fina. Cheiro de bueiro.

Equipados com suas pastas, bolsas, mochilas estampadas.

Cachecois envolvendo o pescoço, enforcando a angustia dos pensamentos doentios.

Matar ou morrer. Simples como a decisão pelo café e não pelo chá.

Arvores falam. O poste fala. A banca de jornais, vazia, antiga, fala.

Cheio de visões. Vazio de ideias.

Gravando cada centímetro de luz que entra pela objetiva.

A imagem perde o foco. Perde a clareza. Some desesperadamente atrás daquilo que ainda não viu.

Deite na grama. Acenda a luz opaca da esperança. Puxe-a com todas as suas forças para dentro de si.

Velhos caminham lentamente. A televisão esquece do passado.

Morte e vida. Passado. Furturo indecifrável.

Gosto da garoa. Pombas piolhentas voando e eu aqui observando.

Um tropeço. Uma queda. Fim de papo.

A avenida cheia. Cheia do vazio esbranquiçado.

Algumas pessoas vêem. Outras apenas fecham os olhos e deixam a garoa cair.

Respingos apagam a pequena luz opaca.

Eu perdi a última coisa que tinha. Engoli enquanto era revistado.

Mão na cabeça. Perdas abertas. Não se mecha.

Sinta o quanto é humilhante, ver o vazio na multidão.

Nem sempre te entendem como você gostaria.

O ônibus passa devagar e aumenta minha vergonha.

Avenda cheia. Vento corta a imagem da câmera. A objetiva cai e quebra.

Eu passo, olho, durmo e acordo, abro bem os olhos.

Passou, se acabou. Deito na grama. A esperança se acende. Eu a retenho quando ela atinge os 70 graus celsius.



* * * * *


Roupa preta, sem desviar, tropeça em todos, caminho sem fim, reto, outros o seguem... sem disputa nem pudor.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Lugar em comum

Cegos na clareza. Luzes sem fim. Clarão sem arestas.


Randy Faris


Lugar cego.

Lugar claro demais.

Lugar nenhum.

Lugar solitário.

Lugar de todos.

Multidão solitária.

Mundo sem definição.

Não pertence a ninguém mais.

Pertence a todo mundo.

Novo, velho, bonito, feio, interessante, fatídico.

Quanto mais rápido.

Mais plural.

Mais mixado, melhor.

Devagar nunca é o caminho.

Crise, crise sem fim.

Ser o pós, sem viver algo de verdade.

Passou.

Se acabou, se acabou, se acabou, se acabou.

A representação não tem mais graça.

A repetição, a ficção tem mais espaço, melhor visibilidade.

Num mundo cego pelas imagens.

Os sons primitivos não são ouvidos.

Embebedados pela iconografia.

Signos ambulantes formam o concreto.

A magia perde espaço. Não mais o subjetivo, sim o racional.

Lugar sem graça.

Lugar nenhum.

Sem definição.

Solitário.

Lugar.

Pertencer.

Lugar cego.


* * * * * *

Pouco se vê daqui. Pouco se transita por aqui. Vê-se o suficiente aqui.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A fumaça que não se dissipa

Encontros sobre-naturais. Uma ficção destrutiva e edificadora.



John Wilkes


A fumaça clara, quase num azul ralo, ostenta em si algo contraditório.

É, em sua essência física algo destrutivo.

Aos poucos vai consumindo o que há de vital.

Mas, de uma maneira estranha subverte este destino aniquilador e cria uma atmosfera densa e criativa.

Algo que vai um pouco além das coisas concretas.

Cria um lugar diferente, onde reside um imaginário realizado.

Dentro de um lugar desconhecido, onde tudo pode ser aceito, por mais difícil que pareça.

Ela é assim, simples e complexa. Destrói e edifica.

Ela me mata aos poucos.

Me da tempo suficiente para não te esquecer nunca.

Não é fácil, assim, sempre.

O segredo é soltá-la, fazê-la ir a favor do vento, sem nunca dissipá-la instantaneamente.

É um processo lento e difícil.

Me deixa aos poucos, e eu quase não percebo mais.

Desejo-a em cada momento solitário. Em cada dia no meio da multidão.

A cada noite que vago por um caminho conhecido, sem me preocupar com a hora de chegar.

Ela me leva para tão perto, que sempre quero ir.

Te vejo quando a sombra dela se vai. É meu único caminho.

Eu quero, quero agora.

Desde aquele dia em que você se foi, eu não mais soube de você.

Minha direção foi alterada e tudo que eu achei que fosse não era mais.

Sua companhia, só alcanço na densa camada de fumaça que existe dentro de mim.

Reconstruo dias que não existiram. Vejo você com aquela roupa que nunca usou.

Daquele jeito que eu já nem lembro mais.

Nesses dias escuros, morando na esquina da miséria, ao lado da hipocrisia paga pelo capital abstrato, eu lamento e esfumaceio o vidro pelo lado de dentro.

Já tentei tirá-la de mim. Ela é minha única ponte.

Meu único caminho até você.

Na escura fumaça eu te vejo.

Só por meio dela posso te ver sem rancor, sem tristeza e nem saudade.

Ali eu torno tudo real de novo.

Coloco minha mão devagar sobre seu ombro e deslizo até sua cintura.

Olho novamente nos seus olhos castanhos e até seu cheiro posso sentir, como nos dias em que passávamos sem ver que as folhas caiam das árvores, imaginando que tudo aquilo era pra sempre.

Não temos culpa, não temos mais nenhuma razão. Tudo se foi e não será mais, nunca.

Eu descobri. Agora sei que só assim posso ter tudo de volta.

Te reinvento nos mais diversos cenários. Aquilo é real pra mim.

Já me disseram que isso tudo é mentira. Eu finjo que não.

Ter, ser, tocar tudo de novo. Pra mim isso basta.

Seja como antes, seja pela maldita fumaça que armazeno aqui dentro e depois dissipo no ar lentamente.

Este preço eu escolho pagar. Sem medo nem arrependimento.

Vejo todas as possibilidades claramente. Ninguém vai tirar isso de mim. Não agora.

Você se foi, mas eu descobri como te trazer de volta.

Do meu modo egoísta eu te tenho. Aqui dentro.

Minha prisão. Meu desespero. Minha alegre maneira de te reconhecer em mim.

Que isso nunca se perca.

Mesmo quando a fumaça se dissipar, você ainda estará em mim.

Isso me destrói, me corrompe e eu já não sei mais o caminho de volta.

Adeus. Até quando não te ver mais.

No esfumaçado poço de vidro e papel fino eu aguardo. Calado. Em mim esta seu suspiro, seu abraço, seu carinho.

Pena que foi tudo uma grande mentira.

A fumaça não se dissipa. Não desta última vez.


* * * * * *
Numa noite nublada. Com uma música antiga e pesada de fundo. Tudo tão denso e escuro, quase dificil de escrever.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Perfilado

Smith


O mais óbvio possível

Ainda aquele mesmo cara. Envelheceu pouco. As coisas são quase as mesmas. Um Ap "novo" com o irmão. O Alceu aparece lá de vez em quando. Agente assite uma tela, curte uns sons psicodélicos e viaja, viaja bastante.

A vida assumiu um tom diferente, mas as coisas ainda são quase as mesmas. Olhando assim, quem sabe, parece até que tudo foi tão rápido e passageiro que nem da pra imaginar como seria um dia.

O engraçado é que tudo continua muito rápido, passageiro, efêmero. Até quando? Não sei. Sei que as coisas são assim. Quase sempre as mesmas. Muda-se o cenário, troca-se os atores, o roteiro, o figurino e tudo continua o mesmo paradoxo continuo. O paradoxo infindável que é a complexa existência.

Os limites da mente não incomodam mais. Efêmero, nada mais além o óbvio.

* * * * * *
Assim, só mostrando a lateral. A plástica é sempre a mesma. Sem conteúdo. Cheia de formas, mais ainda assim vazia. Esté é o óbvio.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Toda Luz


Nota das coisas que passaram


ZEFA

Todo fim faz-me clarear

Talvez paz, não mais te esperar

Sei que errei, por muito tempo eu te dei

Toda luz...

Todo sim fez-me adorador

Sempre atrás de um beijo, um sorriso, um olhar eu estive

Sei que não dá pra ter de volta o que eu te dei

Toda luz...

Muita luz pra alguém que nem queria ficar,

Mas nem sair...

Bem atrás da casa havia uma linda flor,

Você nem viu...

Todo não fez-me desvaler

Ir de encontro ao pior de você não era justo não

Sei que errei, por muito tempo eu te dei

Tanta luz...

Muita luz pra alguém que nem queria ficar,

Mas nem sair...

Bem do lado interior do coração,

Ainda mora um forte afeto por você...

Bem atrás da casa havia uma linda flor,

Você nem viu...

* * * * * *

Enquanto preparo os primeiros capítulos do novo conto deste blog, posto este poema que é uma música da "extinta" banda brasileira GRAM. Ela diz muito nestas palavras simples. Algo verossímil aos sentimentos que me povoam.