terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O chão é a resposta

© Jim Zuckerman


Seguir de cabeça baixa.

O chão parece ter a resposta.

A angustia, o calor, o suor.

O peso nas costas, não é sentimento.

Mas sim literal.

Concreto, direto e incomodo.

A prisão a um mundo sóbrio.

Um único lugar sem julgamento.

Uma única saída para os dias quentes e escaldantes.

O dia nublado é a referência do mal.

Mas o ensolarado, este sim me castiga muito mais.

Seguir de cabeça baixa.

A luz incomoda, ofusca, traz a cegueira.

A penumbra não, ela deixa ver.

Mesmo que apenas um palmo a frente.

Volto meu olhar à penumbra.

Aos poucos ela me traz o que busco.

Vem com suas mãos ensangüentadas,

Com cheiro muito forte... e diz que o fim não é ali, ainda...

“Ande por dentro de mim”, ela diz.

Confiar quando tudo se vê é para covardes.

O objetivo visto com dificuldade é a solução.

Até quando?

Até quando não verei o próximo passo?

Não alcanço mais, estou preso ao Sol.

Não a sua luz, mas sim a sua ausência.

Pois a ausência de luz é a escuridão, e não a penumbra.

Então, com tantas variantes variáveis e intermináveis...

Eu sigo!

Você segue...

Sempre de cabeça baixa.

O chão é a resposta.


N.A.: Poema que ilustra um pouco das incertezas e inseguranças de uma vida em construção. Dois sentimentos muito presentes na vida de muitas pessoas!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

O fim debaixo do sol

Desatenção e morte, coisas bem próximas vistas com a luz do sol.


© Iris Coppola

Aquele dia quente, no qual o sol reinava já as seis e meia da manhã, esbravejando seus raios diretos e sem trégua sobre as cabeças que já haviam levantado para seus afazeres logo por este horário, não parecia nem um pouco um dia para se terminar a vida, parecia um dia feliz, repleto de oportunidades que se desdobrariam ao longo de seu curso. Morrer num dia como este parece até algo impossível. Os dias para se morrer são os nublados, onde nem mesmo o sol lhe concede uma última despedida, já mostrando que o caminho o qual foi traçado para aquele individuo é sombrio e de seu final até mesmo o astro rei teme e roga para que as nuvens o escondam, para que o fim não apareça diante dos seus olhos.
Naquele momento, quando o pequeno despertador azul, um velho modelo, presente herdado de sua avó materna, bate o ponteiro certeiramente na metade da volta indicando seis e meia da manhã. Hora de levantar, hora de partir para mais aquela marcha diária que se iniciaria efetivamente dali a duas horas. Sidney Sampaio levanta lentamente a cabeça, entre abrir e fechar de olhos preguiçosos, olha com dificuldade, atrapalhado pela luz natural que o ataca pelo lado esquerdo do quarto onde se situava a janela, que mesmo com a grande cortina que a cobria, ainda deixou resvalar alguns raios impetuosos que o alcançam e o afligem. Aliados ao tinir dos pequenos sinos do despertador, formando assim uma cúpula de som e luz. Sid ainda reluta, mas vê agora nitidamente. Realmente já são seis e meia, precisa se levantar e de maneira rápida. A marcha invisível daquele dia deveria começar.
O despertar sempre o desnorteia, olhar para os lados e tentar descobrir onde está. Se aquelas paredes, janela, guarda-roupas e porta são tão conhecidos, porque esta perca de sentidos ocorre? Será algum problema crônico de desatenção póstuma ao sono? Ou uma simples vertigem matinal muito comum? Poder ser qualquer uma destas situações, e disso Sid até se atem alguns minutos especificamente naquela manhã para desvendar este mistério. Logo percebe algo, uma pequena peça daquele grande quebra-cabeça que é o interior de seu ser. Os sonhos! Talvez a resposta esteja nos sonhos. Intranqüilos e difíceis de entender, se é que eles tinham algum significado. São verdadeiras viagens, ricas em detalhes, cheias de pontos que o surpreendem sempre com o alto teor de originalidade, algo incomum para ele, e de tal necessidade interpretativa que fugia ao seu alcance desvendar e compreender.
A primeira batida na porta, feita por sua mãe, quebra a cadeia pensativa e as possíveis resoluções que esquematiza em poucos segundos em sua mente. Dispersão rápida e arrebatadora, esta é uma forte característica de Sid, denotando grandes predicados de desatento, despreocupado. Características que podem ser controversas. Partido tanto para o lado da irresponsabilidade como para o campo da experimentação e conclusão mais veemente.
Assim ele se levanta de uma vez por todas da cama. Mais uma vez sua mãe bate a porta, e desta, com um toque a mais de força, como que um reforço no chamado a seu filho. Sid, irritado já com aquela segunda batida, da um grito seco em direção a porta, como se este objeto de madeira fosse sua própria mãe – já acordei, em pouco estarei pronto para o café – coçando a cabeça, olha em volta a procura de seu tênis. Ajoelhasse rapidamente o lado da cama, e olha em baixo dela, lá estava seu velho par de tênis preto, muito surrado, e com a sola gasta, principalmente nos calcanhares, sempre para o lado de dentro. Levantando-se abre o guarda-roupa, pega no cabide uma camisa xadres, azul e branca, sua calça e um par de meias. Veste-se rapidamente, passa o desodorante, após vestir-se, nunca antes, sempre esquece deste detalhe, todas as manhãs.
Após pegar sua mochila verde, com um conjunto estranho e anormal de zíperes, lembrando bem de longe uma pequena mochila de camping, Sid vai até a cozinha. Corta um pão, que em cima tem umas sementes de girassol juntas a massa, algo meio nojento para ele, mas sua mãe sempre dizia que aquilo era saudável e se ele quisesse manter-se vivo e saudável por mais tempo deveria, principalmente, comer comidas saldáveis como aquela. Para empurrar goela a baixo toma um copo de leite. Ele sabia que tomar leite pela manhã sempre lhe causava umas dores de cabeça, principalmente na região baixa de trás, próxima à nuca. Mas fazer o que? Tomar água? Perguntou a si mesmo.
O relógio. É o relógio. O relógio caramba!! Nossa como o tempo passa rápido estas horas da manhã. Já estava com seu cronograma matinal quebrado. Se saísse agora, mesmo que corresse não conseguiria pegar o ônibus das 7h15. – Não dá pra chegar atrasado, desta vez não haverá perdão! – pensou nisso e logo numa possível desculpa. – Talvez a de ter estudado até mais tarde, e perdido a hora por isso? Não essa não cola mais, muito clichê já – é desta vez as desculpas seriam difíceis de serem formuladas. O caso de atraso já era corriqueiro e dele todos já estavam se cansando.
- Tenho que correr, correr mais – repetia em sua mente em quanto abre a porta, corre até o portão, abre, sai e fecha. – O ônibus, o ônibus, o ônibus laranjado, é ele, não, não, não, calma, espera, espera... – gritou freneticamente e com os braços feitos em acenos desesperados. É, mais uma vez ele se vai e Sid fica. Muito distraído. Isso mesmo, muito distraído.
Que pena. O que resta é atravessar a avenida. Do outro lado o ponto de ônibus. Esperar mais 20 minutos pelo próximo e esperar pela bronca. Mas entre pensamentos diversos, um lhe veio de maneira mais concreta. – Tenho de ter mais atenção – pensou, enquanto caminhou, olhando para o asfalto mesclado de pedras claras e escuras, com saliências lembrando rugas pequenas e muito próximas umas das outras.
Aquelas horas da manhã são muito movimentadas. Inúmeras pessoas andando pelas vias em direção ao trabalho, a escola, faculdade, ou até mesmo de volta para casa. Uns olham atentamente para os lados com medo ou mesmo num sentimento desesperador e sufocante diante da vastidão de carros e pessoas por todos os lados. Outras são mais tranqüilas, menos observadoras do que se vê, mas sim do que se pensa quando se vê. Coçam a cabeça, o nariz, olham para cima ou para o chão. Quase autistas, em seu universo de conexões cerebrais. Se os pensamentos são como gavetas no cérebro, este tipo de pessoa fica com todas estas gavetas de pensamentos semi abertas, prontas a saírem e serem escancaradas a qualquer momento.
Sid, olha para o chão. Na beirada da calçada, em frente à longa e agitada avenida, ele para. Olha rapidamente para os dois lados e atravessa. Não, não, não, não, olha pra direita, o carro virou, cuidado, cuidado!!!!
Mas que cara “sem noção”. Que bobeira. Foi atropelado assim, sem mais nem menos, puro vacilo. Sid, em poucos segundos passa da beira da calçada para o meio da avenida, agora deitado, jogado a metros de distância do local da colisão. Ainda consegue abrir os olhos e ver o sol, que a pouco não queria ver, mas naquele momento era a única coisa que não queria deixar fugir de seus olhos. Desesperado começa a pensar na merda que havia feito. Mas nem tempo tem para essa lamentação, tudo foi muito rápido. Logo algo quente começa a escorrer por traz de sua cabeça. Seus membros começam a formigar, sua visão começa a fugir e os lábios não param de tremer. Uma mulher chega, ele a vê, mas não o suficiente para reconhecer seu rosto. Naquele momento, com as pálpebras ainda abertas, sua visão escurece de vez. Sid morre a caminho do hospital, vítima de desatenção crônica.

N.A.: Esta crônica será publicada também na edição de março da revista SePluga.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

A Solidão de Um Menino - Última Parte

O fim e o recomeço.


David Gray © march2007

Terminado o que fazia dentro da casa, faltando apenas trancar a porta da frente, Jango pede a Marcelino que chame seu primo recém conhecido, que dormia perto da entrada do bosque, debaixo de um pinheiro, para que viesse até a casa, porque ele e Rossinho deveriam conversar. Assim Marcelino corre até onde menino de encontrava, e mantendo uma pequena distância o chama. Rossinho acorda calmamente. O sono havia lhe feito muito bem. Ao acordar ele vê novamente aquele garoto. Neste momento um “flashback” ocorre em sua mente, vê aquela cena como se estivesse diante de seus olhos. Ele entrando na casa de sua avó para o último adeus e a figura muito forte daquele menino encostado na parede frontal da casa, com seu peão, objeto de entretenimento e alegria, mas que era usado para formar um desenho de cruz no chão de terra solta. A tristeza impressa nos olhos do menino nunca lhe saíra da cabeça. Porque todas as outras crianças brincavam alegres, nem se dando conta do que acontecia realmente e ele estava ali muito triste, a desenhar um objeto, que nem mesmo Rossinho, que era mais velho entendia seu real significado? Isso o intrigou, por isso aquela cena que lhe roubara a atenção tão significativamente lhe vinha à tona tão concreta e palpável ao rever o menino, protagonista da mesma.
Marcelino explica rapidamente que seu pai queria falar-lhe e o esperava na sala da casa, onde Dona Isabel fora velada. Rossinho, desconfiado reluta, mas vendo o motivo de sua relutância, Marcelino o tranqüiliza – Todos já foram embora, somos agora apenas eu, você e meu pai – assim Rossinho aceita o chamado e corre rapidamente até a casa, Marcelino o segue.
Chegando a frente da casa, Rossinho entra, Marcelino não, apenas permanece a porta, e fica brincando com seu peão. Jango está sentado na poltrona ao fundo da sala. Rossinho entra, olhando sempre para o chão, seu tom altivo é sempre desarmado em respeito a seu tio, respeito este adquirido pelo amor, e não pela força. Achegasse próximo dele, senta-se no chão, e fica pronto a ouvi-lo. Jango lhe explica rapidamente e com poucas palavras o que acontecera, e o que ainda estava por vir. Rossinho permanece cabisbaixo, e balança a cabeça em sinal de desacordo a cada palavra dita por Jango. Ao terminar seu discurso, Jango pergunta ao menino se é isto que ele quer e se esta satisfeito com o que ocorrerá dali adiante. Primeiramente Rossinho não aceita, diz que nada daquilo era seu e que daquela família tinha apenas o nome. Mas Jango, com o amor que em pouco tempo havia desenvolvido pelo menino, diz a ele as seguintes palavras – Esqueça o passado, sua família agora somos nós, eu sou seu novo pai, comigo você não será mais abandonado, tem agora quem se preocupe com você – uma lágrima corre o rosto do menino, e atrás dela outra e mais outra, até que seu choro se torna incontrolável, nunca antes ouvira algo parecido de alguém, finalmente se sentia amado de verdade. Estas palavras desarmaram o espírito tempestuoso daquele pequeno menino.
Os dois se levantam, andam até porta. Jango tranca a casa. De Rossinho ali dentro não restava nada. O que tinha estava em seu corpo. Quase nada. Os três sobem na carroça. Vão embora, o passado solitário de Rossinho é deixado para trás a cada giro das rodas da carroça. Toda aquela predisposição a violência e a marginalidade agora se tornam em energia para suas brincadeiras com seu primo. Marcelino que antes era uma criança introspectiva e muito calada se contagia com a energia nova de seu primo. Os dois, em poucos minutos se tornam amigos eternos. Rossinho estava salvo. Salvo de si mesmo, salvo do abandono, que tanto lhe fizera mal. Agora tinha uma família de verdade. Seus pecados foram perdoados, seu tempo de escuridão passara.Muitas coisas, boas e ruins ainda viriam a acontecer em sua vida, porém, sempre tinha a segurança de que alguém o esperava. Quando tio Jango morreu já era um adulto casado, com suas filhas e filhos, mas dele nunca esqueceu, e até hoje depois de tantos anos ainda o relembra saudosamente. Nunca mais andou sozinho. Por mais que estes momentos solitários viessem, e eles vieram muitas vezes, Rossinho sabia que tinha pessoas que o amavam e por elas vivera sua vida, nunca mais se sentiu só. Porém dentro de si sempre lembrava que um dia fora um menino solitário. [fim]
N.A.: Agradeço a todos que leram e acompanharam a trajetória de "A Solidão de Um Menino". Espero ter agradado e entretido vocês. O blog seguirá suas publicações normais, e logo teremos mais um conto por ai. Obrigado e até mais.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A Solidão de Um Menino - Parte 7

O fim das discussões. O veredicto de Jango. Rossinho conhece seu primo Marcelino.

A cada momento que passava perto de Rossinho, o afeto crescia em Jango. O menino, que nos primeiros momentos junto havia demonstrado apenas traços rudes e grosseiros, agora indefeso e atingido por uma tristeza passageira, mostrava seus traços infantis e dóceis, próprios de uma criança frágil que necessita de cuidados. O menino, depois de comer, adormeceu ali mesmo, próximo a árvore. Jango, observando aquele sono tranqüilo quase se esqueceu dos parentes, que a muito discutiam dentro da casa. Uma discussão interminável. Decidiu então, ir lá e dizer a todos que ele seria o tutor de Rossinho, e que dele cuidaria, assim como da propriedade até que o menino pudesse tomar conta dela sozinho. Isso fez, acomodou melhor o menino ali próximo da árvore e se dirigiu para a casa novamente.
Entrou pela porta da frente, com passos fortes, que no assoalho de madeira faziam um estrondo muito forte e ressoava por todos os cômodos da casa. Todos olharam para ele com certo espanto, afinal havia entrado por ali há alguns minutos atrás e entrava novamente pelo mesmo lugar? Não haviam o visto saindo, porque ele usara a porta de trás para fazê-lo. Após esta entrada repentina, Jango pediu para que todos se calassem que ele tinha algo a dizer. Então começou – Chega desta discussão, até agora falei pouco, e vocês apenas falam de si mesmos e do que querem, são todos uns avarentos e gananciosos, apenas querem a propriedade de nossa mãe. O menino, alguém se importou com ele? Acho que devemos ser mais sensatos, respeitar um pouco os últimos acontecimentos, agir com humanidade não com ganância e dissimulação! – Dito isso todos retrucaram, porém ao mesmo momento, voltando ao estado de alvoroço. Com mais um grito de “calem-se” Jango retomou o respeito e a ordem. Disse ele – Bem, eu agora vou dizer o que vamos fazer. Eu levarei o menino para minha propriedade, ele morará comigo e com minha família, vou ensiná-lo tudo que deve saber, e cuidaremos desta chácara, viremos aqui esporadicamente, assim, quando ele tiver idade poderá ficar com ela, morar, vendê-la, enfim, fazer o que quiser, afinal, esta é sua herança! – o silencio pairou sobre aquela sala, ninguém tinha objeções, era o mais justo a ser feito, mesmo que quisessem não encontrariam nenhuma desculpa para mudar a situação.
Mesmo assim, alguns ainda tentaram mostrar outros pontos que poderiam ser analisados, alternativas para a solução do problema, mas o consenso era quase total, afinal, só mesmo alguém com muita força de vontade adotaria aquele menino rude e sujo, e o levaria para dentro de sua casa. Deveria ficar mesmo num sítio, sua ida para a cidade era verdadeiramente inviável.
Depois de horas e horas de conversas, enfim tudo tinha acabado assim simples e rapidamente. Todos foram para suas casas, tomaram seus cavalos e carroças e em alguns minutos já haviam sumido ao longo da estrada de saída da chácara. Nela, haviam restado Rossinho, ainda dormindo próximo a árvore, Jango que fazia preparativos para deixarem a casa e para que a mesma ficasse em segurança e aquele garoto triste que brincava com um peão, o único filho de Jango, chamado Marcelino.
Continua...
N.A.: O próximo capítulo será o final.