terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Três vezes

Como tudo vai acabar.


Will Prynce

Os olhos nunca revelaram um sentimento tão inocente. Perdíamos a noção que delimita a espessa linha entre a razão e a ilusão.

 

A força do estrondo provocado pelas vibrações do complexo e sensato som provocado por tudo isso.

 

Uma irmandade, uma explosão de sentimentos bem definidos na pluralidade sem fim da escura nuvem de fumaça que emana na aura. Sofás velhos. Sem medo das possibilidades jogadas pelos dados vermelhos e amarelos.

 

Temendo apenas o acaso da distância. A falta deste sentimento coletivo. Da sinceridade contida nas palavras vindas de um para o outro. Um registro simples. Entre emissor e receptor.

 

Papeis que se confundem na imensidão de tudo que foi demonstrado ali sem pudor.

 

Dias que jamais serão explicados assim. Nas escuras noites de distância, serão as chaves da alegre lembrança nostálgica. Irmandade contra a sanidade opressora das cifras. Crises jamais existem neste contexto.

 

Três vezes eu digo. Nunca isso nos fez tão distraídos. Um dia eu conseguirei explicar da maneira precisa. Hoje vejo, sinto, digo e me atrevo a escrever. Esta expressão arida será plena.

 

Três vezes nú, cego e sem dinheiro. Três horas no limite. Três dias na escuridão. Três vidas em vão. Três segundos de existência real, verdadeira.

* * * * *

J.D.A. - 15 • 12 • 08 - 20h26
Na janela olhando para o lixo e para a imperfeita pitangueira. O verde alegre. A batida.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Insônia Crônica - Parte II

Mil mentiras e um bom disfarce.


MM Productions


Nem todos querem sair deste mundo confortável, debaixo de nossas cobertas, nós gostamos deste tempo de alienação, tanto que nos submetemos a ele, mesmo sabendo que o despertar será quase insuportável cada dia de sua vida. Mas ainda assim ele é preferível e sem ele alguns poucos vivem neste planeta.

Não me sinto feliz ter esta característica, para a maioria é loucura e ceticamente descartam esta possibilidade como verdadeira. Alguns poucos reconhecem como algo importante, que trará alguma resposta, pequenas luzes num universo escuro, talvez esta seja a verdade. Estas questões não importam quando se sofre tanto por receber esta situação de bom grado. Sofrer para receber algo maior em seu tempo de reflexão.

Eu vivo uma vida simples, faculdade pela manhã, almoço em algum restaurante barato do centro da cidade, a tarde trabalho, geralmente mais do que deveria e mais do que eu recebo pra fazer, a noite vou pra casa, leio por 4 horas, assisto um pouco de TV e deito no sofá. Permaneço com a luz acesa mais algumas horas e as apago. Ali fico olhando para a tela da TV, em canais onde se tem a maior concentração de “chuviscos”. As cinco da manhã levanto, tomo um banho quente, me visto, fumo um cigarro e vou pra faculdade. E daí mais um dia se passa, continuamente, dentre tantos outros que vi nascer é morrem dentro de um conjunto de horas.

Percebe como as coisas são tão passageiras? Se acabam de maneiras inesperadas e passam, aos poucos esquecidas encobertas pelas folhas arrancadas do calendário da porta da sala. Um desenho infantil sobre ele mostra que por mais que ele possa me vencer impondo seu tempo, criado, que me mata envelhecendo, ainda persiste acima dele um espírito infantil, curioso, questionador e acima de tudo pouco feliz com o que vê.

Aquela vez que eu abandonei a casa me disseram que nunca mais deveria voltar. Jogaram todas as minhas coisas numa caixa, em meus braços largaram e pra fora fui chutado. Neste dia pouco, ou quase nada me importei, afinal, em parte era o que eu queria. Infelizmente, pouco tempo depois percebi que muito havia perdido e que por isso pagaria o resto de meus dias. Assim com medo de que eles demorassem a passar por serem muitos, resolvi torná-los todos em apenas um. Um interminável dia, mesclado aleatoriamente num caos contido entre o claro e o escuro.

Acordar é sempre traumático. Por isso eu nunca durmo. Minha visão daqui é bem mais clara do que antes, sei bem como tudo vai acabar, só não sei quando. Mas no fundo, no fundo, agente sabe que a questão é a possibilidade, nunca o que “é”, mas sempre o que “pode ser”.


* * * * *

Mais aliviado agora que passou.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Insônia Crônica - Parte I

Uma confissão difícil.

Charles Gullung


Acordar sempre é difícil, olhar que um dia claro ou nublado já está lá fora e nem te esperou, ainda é realmente traumático. Deve ser por isso que muitas pessoas sofrem tanto, suas vidas são cheias de rupturas as quais nem sempre se está preparado. Ai você sofre. Mas logo passa, nos últimos tempos mais do que nunca as coisas tendem a ser efêmeras. Enjoam fácil, repete-se demais. No fim você não agüenta nem o cheiro quanto mais o gosto.

Por isso acho que nada melhor que um sono tranqüilo e um despertar traumático, cheio de insegurança e doloroso, prefiro uma constante seção acordado ou em coma. Acordado durante o dia e enquanto ainda consigo fazer certas atividades, seja trabalhando, estudando ou simplesmente saindo com os amigos. Em coma, por que o sono, quando assume um tom leve e semi acordado, não é um sono, é um estado de meio termo, entre o desligado e o ligado, entre o ‘on’ e o ‘off’.

Já ouvi quem diagnosticasse como uma insônia crônica, e quem afirma-se ser um distúrbio grave de comportamento, tantos outros que questionaram ser uma praga de família, bem todos eles tentaram, palpitaram, jogaram as cartas, mas ninguém levou as fichas.

Não posso dizer e classificar esta situação como um transe, acho que não se encaixa. Mas também não afirmo que seja um estado de plenitude de realidade, realmente algumas coisas são bem surreais, ou mesmo absurdas. A primeira mutação visível é a dificuldade de enxergar com clareza. Você percebe as coisas, os espaços, até mesmo letras em uma leitura dinâmica. O que acontece é que uma série de imagens, vultos, e objetos não bem focados dificultam uma visão mais objetiva.

A audição permanece aguda, mas nada que impeça a captação de duas, três, quatro ou até mais fontes diferentes com clareza e simultaneamente. Ou seja, cada canal é armazenado e pode ser acessado segundo minha vontade tempos depois para complementar uma idéia ou situação já pré-formulada vinda de outro canal. É um processo natural, nunca forçado.

Sendo estes dois elemento primordiais para a minha percepção do mundo externo modificados e postos em um ‘limbo’ entre o real e o virtual, acredito que neste momento me situo na porta que divide estes dois espaços. Sendo assim, nunca durmo. Reponho minhas energias através deste tempo potencializado, que tem como critério basilar o que pode ser, nunca o que simplesmente é. Não é uma questão de existir ou não, a questão é quando vai existir. Potenciais.

Por isso passo a vida de uma maneira diferente das outras pessoas. Enquanto a maioria delas descreveria um dia de no máximo 18 horas, um cotidiano intervalado por um período de recuperação, que se torna inútil com a transcendência. Nela, a meditação, a reflexão, entre os pólos existentes nos torna eternos peregrinos em busca de uma resposta, que nem sempre é fácil de aceitar.


* * * * * *

continua no próximo post...

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Noites e dias em vão

O que nos faz mal, mas sempre queremos um pouco mais. Passa e você nem vê, nem sente.



Dave Cutler


Três dias num só.

Amanhece e anoitece, tudo continua ali, acordado.

Os olhos não cerram uma única vez.

Uma constante sensação que se modifica aos poucos.

Numa infinita metamorfose no mundo onde ninguém dorme.

Duas madrugadas na loucura.

Perdido em sua própria casa. Tantas pessoas nunca antes vistas. Estranho.

 

Todos dormem em qualquer lugar.

Com seus corpos retorcidos, cheios de sentimentos mentirosos.

Um prazer inexistente, sem começo nem fim.

Uma possibilidade abstrata. Mentirosa.

 

Acordar depois dos três dias de insônia é difícil.

Tudo num raio de 100 mil quilômetros parece sujo, fora do lugar, macabro.

 

Tudo recomeça.

Agora sobriamente chato.

Daqui a uma semana mergulho de novo na macabra procissão de loucura.

 

Tempo em vão.

Noites e dias em vão.

O prazer é mentiroso.

Não é como parece.

Passa e você nem vê.

Nem sente.

E ainda fica querendo mais.

 

* * * * * *

 

eu quero sempre mais... eu quero sempre mais...


terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sente ou não sente?

Ainda persiste uma coisa estranha. Parece estranha.



John Ritter



Se aquela dor estranha ainda persiste em incomodar, você ainda derrama suas lágrimas.

Se ainda procura por um vestígio, por menor que seja, nas páginas em branco, cheias de caricaturas, aquilo ainda não desapareceu completamente.

Os dias, as pessoas, as roupas podem ser diferentes, nada será igual aquela época. Igual aquele sentimento.

As coisas mudam, é verdade. As pessoas mudam, certamente. Mas se tudo que viveu foi de verdade, foi eterno no segundo que durou, ele vai te perseguir para sempre.

Umas sombras estranhas, escuras, porém claras, vão te acompanhar.

Não existe outro jeito. Cada batida, cada som, cada detalhe estará ali, vindo à tona ao menor sinal de semelhança.

Sente ou não sente?

Comparar uma nova oportunidade com a idéia falsa do que se perdeu, do que ficou para trás. Nunca será o suficiente.

Um peito oco. O que existia ali não te pertence mais.

Foi tirado para fora com uma faca de cozinha, brutalmente, sem censura.

A nova chance não será suficiente.

Todos os defeitos ali, diante de seus olhos preconceituosos. Em outros tempos eram mais sensíveis.

Parece estranho. Parece mesmo.

Nunca satisfeito.


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Discretamente sumindo no ar. O que era concreto simplismente deixa de existir. Nunca da mesma maneira.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

O militar e os bonecos

Na rua de trás. A caixa de sapatos. O tiro pelas costas.


Owaki



Gabriel foi militar. Antes de se tornar militar, a rebeldia, a desorganização e sonolência tomavam conta de seus dias. Era do tipo de cara que deixava os cabelos cobrirem os ombros. Andava sempre em desalinho quanto ao vestuário e achava isso natural, algo que veio com ele do mesmo jeito que a cor da pele ou dos olhos castanhos esverdeados.


Guilherme e Artur são seus melhores amigos. Diferente de Gabriel, que se tornou militar, Guilherme e Artur continuam os mesmos bêbados e drogados de antes. Levam vidas organizadas, simples, plásticas, com obrigações a serem cumpridas. Porém desleixados como sempre, sempre jogados pelos cantos, com pó suficiente para abortar qualquer pensamento vindo do mundo real.


O militar, Gabriel, que a muito se sentia bem entre essa vida comum de civil de classe média baixa, que não recebe benefícios e sustenta família, casa e vícios apenas com o ralo salário que nem lhes proporciona a viajem para o litoral nos fins de ano.


Agora, com sua vida regrada, forçada pelo desejo exacerbado de ser um disciplinado combatente, ele se alienou do mundo da imaginação criado por ele e seus dois amigos. Pegou aversão. Sua meta era sempre estar alerta. Ligado constantemente e incessantemente. Acostumar-se aos extremos. Gabriel desejada isso diariamente.


Se tornou em pouco tempo um homem cinco vezes mais forte e musculoso do que fora. Seu tratamento pessoal se restringia ao suficiente e sempre da maneira mais racional possível. Mulheres que o digam. Força e virilidade tinham residência fixa no corpo careca e de media estatura de Gabriel.


A distância de seus antigos amigos foi aumentando a medida que os treinamentos de guerra se intensificavam. Quanto mais suor no campo, menos sangue na batalha, pensava Gabriel. Fixamente queria se tornar, cada vez mais e mais, num assassino perigoso e ufanista. A baioneta no inimigo enfiar, ele vai pedir perdão por algo que nunca cometeu, por um crime que nem chegou a conhecer a face. Num rio de sangue se banhar, sangue do inimigo. Gabriel sujo de lama.


Dormindo numa barraca improvisada num campo longínquo ele percebe que toda aquela aceleração, disposição afunilada em ódio e assassinato são cansativas demais. Demandam muito esforço e o mundo de viagens internas, deixado no passado, guardado nas mãos de Guilherme e Artur era a felicidade plena escondida dos medíocres sob uma cortina de simplicidade.


Ele percebe que seu tempo de defensor assassino passou. Levanta-se da trincheira, caminha em direção a retaguarda. Seu rifle, um antigo Springfield, de fabricação norte americana, muito provavelmente carregado e com o gatilho gasto, é jogado para trás. Enterrado para sempre e confundido com os ossos humanos descarneados pelos bicos de abutres. Sua velha mochila com o numero 51 timbrado é jogada nas costas. Duzentos passos ao norte e ele se desfaz dela. Não pelo peso, mas sim pela necessidade de deixar naquele esquecido campo, o que a ele pertencia enquanto por ali vivera.


Adentrando a mata rala que separa o fim do planalto com a descida íngreme ele sente algo estranho. Lentamente um liquido pegajoso escorre por suas costas. Desertores nunca recebem perdão, meia volta é crime inafiançável. A saudade infinita das divagações de Guilherme e Artur. A desilusão com o mundo perfeito que deveria defender. O desejo de sentir de novo o amor do companheirismo sincero. Tudo isso embebedou Gabriel a ponto de nem sentir o tiro da Colt 45, pistola americana, pertencente a um sargento americano a seis meses esquecido em uma prisão de trabalhos forçados qualquer pelo leste do mundo.


Ele percebe que a escuridão tomará conta de sua visão em breve. Tenta lembrar dos rostos de Guilherme e de Artur. Força sua alma ao máximo. Mas quanto mais tenta ver os rostos, mais confusas ficam as imagens.

Ele então lembra do passeio pelo parque Central, quanto deitaram na grama depois de fumar todos os sentimentos, sortidos e prensados em um papel colorido de sabor de pitanga vermelha que cresce nas ruas de paralelepípedo da velha e úmida cidade onde moravam.


A grama molhada exalava o cheiro mais puro da vida que nascia e se renovava a cada dia. De repente um guarda. Eles correm e correm até tossirem por falta de fôlego e pela boca seca. Guilherme, rosto pequeno, monoselhas, cabelo longo e castanho, nariz arredondado e lábios grossos. Artur com sua velha blusa listrada, testa alta e sisuda, cabelos bem pretos e pele clara. Enfim, com a ajuda do cenário e do conjunto de ações as fotografias dos rostos brilham diante seus olhos.


Que saudade. Nunca mais os verei. Nossas viagens que destruíam nossas almas nos faziam sentir algo diferente. Inexplicável. Mas sabíamos que sentíamos. O ar doce dos pensamentos desorganizados nos era dado todos os dias. Diferente dessa indiferença, dessa desumanidade, desse sabor intenso, mas sem sentido.


Gabriel morre. Antes mesmo de se lembrar porque tinha mudado sua vida tão rápido. O porque de deixar de lado a única coisa importante que tinha. A capacidade de sentir. Sentir de verdade. Mesmo que fosse a tristeza, a dor, a angustia, o amor, a alegria, o cansaço, o sono, a imaginação.



Não sentia mais nada. Morte sem valor. Esquecida. Em vão.


Gabriel se arrependeria quem sabe. Não deu tempo. Quantos eu já vi pagando pra ver.

Guilherme e Artur eram seus bonecos de plástico. Que foram vendidos a um antiquário por sua mãe, depois da morte de Gabriel. Hoje eles enfeitam uma velha caixa de sapatos no fundo de um armário empoeirado numa casa de um bairro próximo a centro de Curitiba. Gabriel morreu na Itália há 60 anos. Ele tinha apenas 19. Nunca acharam seu corpo, foi dado como desaparecido. Seu nome foi dado a uma rua que passa atrás da casa onde moram Guilherme e Artur.


* * * * * *

Todos os personagens, fatos e lugares são em sua maioria fictícios e produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, acontecimentos e locais reias, é mera conhecidência.


quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A arte estranha da luz

Computando. Escrevendo. Texto Técnico. Ensinamentos Antigos. Arte.


Randy Faris


Computadores fazem arte.

A ilusão do virtual é mesmo uma ilusão.

Nada comparado as aulas de bruxaria de Don Juan, na América Central.

Na ilusão reside arte.

Na luz do conhecimento, as coisas ficam confusas e as vezes são meras alucinações.

Artistas fazem dinheiro.

Computadores fazem arte.

Voe, mas com direção marcada. Rota inalterada pelo acaso.

Autor de sua própria luz.

Computadores são reais. Ilusões reais.

Criamos a arte.

Artistas fazem dinheiro.

Computadores fazem arte.

Peiote.

Mascando.

Veja o computador correndo.

Pintando, criando a sua imagem própria.

Dois números.

Arte.

Dinheiro.


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"Computadores fazem arte" - Chico Science

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Esperança a 70 graus celsius


“Acenda a pequena luz opaca e retenha o que puder, sempre.” – Livro dos conselhos esquecidos na edição


Collart Herve



Caminhando pela avenida cheia eu vejo tantas pessoas.

Diferentemente de um olhar perdido e vazio, tenho uma visão meticulosa e estranha deste lugar.

Uns tão diferentes dos outros, outros mais ainda.

Devagar a senhora atravessa a rua, sua bengala e grauda-chuva.

Um dia de sol, apenas o vento frio corta e mevimenta a visão solitária.

Negors e brancos, pardos e orientais.

Perdidos numa multidão de fumaça e carros, onibus, motos, pessoas.

Orfãos de orgãos.

Sem olhos e acéfalos.

Levados pelo gosto agridoce da garoa fina. Cheiro de bueiro.

Equipados com suas pastas, bolsas, mochilas estampadas.

Cachecois envolvendo o pescoço, enforcando a angustia dos pensamentos doentios.

Matar ou morrer. Simples como a decisão pelo café e não pelo chá.

Arvores falam. O poste fala. A banca de jornais, vazia, antiga, fala.

Cheio de visões. Vazio de ideias.

Gravando cada centímetro de luz que entra pela objetiva.

A imagem perde o foco. Perde a clareza. Some desesperadamente atrás daquilo que ainda não viu.

Deite na grama. Acenda a luz opaca da esperança. Puxe-a com todas as suas forças para dentro de si.

Velhos caminham lentamente. A televisão esquece do passado.

Morte e vida. Passado. Furturo indecifrável.

Gosto da garoa. Pombas piolhentas voando e eu aqui observando.

Um tropeço. Uma queda. Fim de papo.

A avenida cheia. Cheia do vazio esbranquiçado.

Algumas pessoas vêem. Outras apenas fecham os olhos e deixam a garoa cair.

Respingos apagam a pequena luz opaca.

Eu perdi a última coisa que tinha. Engoli enquanto era revistado.

Mão na cabeça. Perdas abertas. Não se mecha.

Sinta o quanto é humilhante, ver o vazio na multidão.

Nem sempre te entendem como você gostaria.

O ônibus passa devagar e aumenta minha vergonha.

Avenda cheia. Vento corta a imagem da câmera. A objetiva cai e quebra.

Eu passo, olho, durmo e acordo, abro bem os olhos.

Passou, se acabou. Deito na grama. A esperança se acende. Eu a retenho quando ela atinge os 70 graus celsius.



* * * * *


Roupa preta, sem desviar, tropeça em todos, caminho sem fim, reto, outros o seguem... sem disputa nem pudor.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Lugar em comum

Cegos na clareza. Luzes sem fim. Clarão sem arestas.


Randy Faris


Lugar cego.

Lugar claro demais.

Lugar nenhum.

Lugar solitário.

Lugar de todos.

Multidão solitária.

Mundo sem definição.

Não pertence a ninguém mais.

Pertence a todo mundo.

Novo, velho, bonito, feio, interessante, fatídico.

Quanto mais rápido.

Mais plural.

Mais mixado, melhor.

Devagar nunca é o caminho.

Crise, crise sem fim.

Ser o pós, sem viver algo de verdade.

Passou.

Se acabou, se acabou, se acabou, se acabou.

A representação não tem mais graça.

A repetição, a ficção tem mais espaço, melhor visibilidade.

Num mundo cego pelas imagens.

Os sons primitivos não são ouvidos.

Embebedados pela iconografia.

Signos ambulantes formam o concreto.

A magia perde espaço. Não mais o subjetivo, sim o racional.

Lugar sem graça.

Lugar nenhum.

Sem definição.

Solitário.

Lugar.

Pertencer.

Lugar cego.


* * * * * *

Pouco se vê daqui. Pouco se transita por aqui. Vê-se o suficiente aqui.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A fumaça que não se dissipa

Encontros sobre-naturais. Uma ficção destrutiva e edificadora.



John Wilkes


A fumaça clara, quase num azul ralo, ostenta em si algo contraditório.

É, em sua essência física algo destrutivo.

Aos poucos vai consumindo o que há de vital.

Mas, de uma maneira estranha subverte este destino aniquilador e cria uma atmosfera densa e criativa.

Algo que vai um pouco além das coisas concretas.

Cria um lugar diferente, onde reside um imaginário realizado.

Dentro de um lugar desconhecido, onde tudo pode ser aceito, por mais difícil que pareça.

Ela é assim, simples e complexa. Destrói e edifica.

Ela me mata aos poucos.

Me da tempo suficiente para não te esquecer nunca.

Não é fácil, assim, sempre.

O segredo é soltá-la, fazê-la ir a favor do vento, sem nunca dissipá-la instantaneamente.

É um processo lento e difícil.

Me deixa aos poucos, e eu quase não percebo mais.

Desejo-a em cada momento solitário. Em cada dia no meio da multidão.

A cada noite que vago por um caminho conhecido, sem me preocupar com a hora de chegar.

Ela me leva para tão perto, que sempre quero ir.

Te vejo quando a sombra dela se vai. É meu único caminho.

Eu quero, quero agora.

Desde aquele dia em que você se foi, eu não mais soube de você.

Minha direção foi alterada e tudo que eu achei que fosse não era mais.

Sua companhia, só alcanço na densa camada de fumaça que existe dentro de mim.

Reconstruo dias que não existiram. Vejo você com aquela roupa que nunca usou.

Daquele jeito que eu já nem lembro mais.

Nesses dias escuros, morando na esquina da miséria, ao lado da hipocrisia paga pelo capital abstrato, eu lamento e esfumaceio o vidro pelo lado de dentro.

Já tentei tirá-la de mim. Ela é minha única ponte.

Meu único caminho até você.

Na escura fumaça eu te vejo.

Só por meio dela posso te ver sem rancor, sem tristeza e nem saudade.

Ali eu torno tudo real de novo.

Coloco minha mão devagar sobre seu ombro e deslizo até sua cintura.

Olho novamente nos seus olhos castanhos e até seu cheiro posso sentir, como nos dias em que passávamos sem ver que as folhas caiam das árvores, imaginando que tudo aquilo era pra sempre.

Não temos culpa, não temos mais nenhuma razão. Tudo se foi e não será mais, nunca.

Eu descobri. Agora sei que só assim posso ter tudo de volta.

Te reinvento nos mais diversos cenários. Aquilo é real pra mim.

Já me disseram que isso tudo é mentira. Eu finjo que não.

Ter, ser, tocar tudo de novo. Pra mim isso basta.

Seja como antes, seja pela maldita fumaça que armazeno aqui dentro e depois dissipo no ar lentamente.

Este preço eu escolho pagar. Sem medo nem arrependimento.

Vejo todas as possibilidades claramente. Ninguém vai tirar isso de mim. Não agora.

Você se foi, mas eu descobri como te trazer de volta.

Do meu modo egoísta eu te tenho. Aqui dentro.

Minha prisão. Meu desespero. Minha alegre maneira de te reconhecer em mim.

Que isso nunca se perca.

Mesmo quando a fumaça se dissipar, você ainda estará em mim.

Isso me destrói, me corrompe e eu já não sei mais o caminho de volta.

Adeus. Até quando não te ver mais.

No esfumaçado poço de vidro e papel fino eu aguardo. Calado. Em mim esta seu suspiro, seu abraço, seu carinho.

Pena que foi tudo uma grande mentira.

A fumaça não se dissipa. Não desta última vez.


* * * * * *
Numa noite nublada. Com uma música antiga e pesada de fundo. Tudo tão denso e escuro, quase dificil de escrever.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Perfilado

Smith


O mais óbvio possível

Ainda aquele mesmo cara. Envelheceu pouco. As coisas são quase as mesmas. Um Ap "novo" com o irmão. O Alceu aparece lá de vez em quando. Agente assite uma tela, curte uns sons psicodélicos e viaja, viaja bastante.

A vida assumiu um tom diferente, mas as coisas ainda são quase as mesmas. Olhando assim, quem sabe, parece até que tudo foi tão rápido e passageiro que nem da pra imaginar como seria um dia.

O engraçado é que tudo continua muito rápido, passageiro, efêmero. Até quando? Não sei. Sei que as coisas são assim. Quase sempre as mesmas. Muda-se o cenário, troca-se os atores, o roteiro, o figurino e tudo continua o mesmo paradoxo continuo. O paradoxo infindável que é a complexa existência.

Os limites da mente não incomodam mais. Efêmero, nada mais além o óbvio.

* * * * * *
Assim, só mostrando a lateral. A plástica é sempre a mesma. Sem conteúdo. Cheia de formas, mais ainda assim vazia. Esté é o óbvio.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Toda Luz


Nota das coisas que passaram


ZEFA

Todo fim faz-me clarear

Talvez paz, não mais te esperar

Sei que errei, por muito tempo eu te dei

Toda luz...

Todo sim fez-me adorador

Sempre atrás de um beijo, um sorriso, um olhar eu estive

Sei que não dá pra ter de volta o que eu te dei

Toda luz...

Muita luz pra alguém que nem queria ficar,

Mas nem sair...

Bem atrás da casa havia uma linda flor,

Você nem viu...

Todo não fez-me desvaler

Ir de encontro ao pior de você não era justo não

Sei que errei, por muito tempo eu te dei

Tanta luz...

Muita luz pra alguém que nem queria ficar,

Mas nem sair...

Bem do lado interior do coração,

Ainda mora um forte afeto por você...

Bem atrás da casa havia uma linda flor,

Você nem viu...

* * * * * *

Enquanto preparo os primeiros capítulos do novo conto deste blog, posto este poema que é uma música da "extinta" banda brasileira GRAM. Ela diz muito nestas palavras simples. Algo verossímil aos sentimentos que me povoam.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Max, 15 dias antes de morrer - Final




Massimo Listri


O poço-túnel e a volta.


Aquele dia não era mais um dia, parecia um eterno minuto que nunca passava. A relação entre a concepção antiga de tempo e a descoberta de sua morte haviam se misturado e agora tudo parecia algo alternativo, o tempo como conhecera, relativo ao espaço, não existia mais. Até por que aquela realidade era outra, um “espaço” diferente do mundo que vivera em vida, o tempo estava mesmo diferente. Num mundo desconhecido, mas com referências intimas com o mundo passado, ele estava agora neste estado, de profunda indiferença temporal.

Max percebeu o quanto havia perdido, vislumbrou durante esta estada no labirinto o quanto perdera e o pouco valor que dera as coisas, pequenas coisas, que tinha antes de sua morte. Depois da muitas tentativas de anestesias, de lograr momentos fora da sua vida cotidiana, preocupando apenas com sua satisfação medíocre e egoísta, ele percebera que tinha muitas coisas, as quais deveria ter dado valor, deveria ter demonstrado mais amor e mais apego. Coisas, situações, pessoas, as quais deveria ter se apegado e ser feliz com elas. Mas não, sua escolha pela individualidade, solidão, êxtase próprio o roubaram disto por muito tempo, e, desta vez, havia ido tão longe que um retorno era, por hora impossível.

Amargurava solitário, por dias chorava na escuridão, um choro tímido e tão dolorido vinha à tona nos momentos nostálgicos. Rostos passavam em sua mente, e por vezes uma mesma cena, um mesmo rosto pairava em suas lembranças. Para onde quer que olhasse naquele labirinto via aquele rosto. As lembranças de suas últimas experiências antes de morrer eram portas que deixavam o frio inverno se apoderar cada vez mais daquele lugar. E o pior era que agora, além de sua vida e das coisas que tanto amara e que pouco valor as dera, sua capacidade de esquecer, de se livrar e cair num vazio escuro e sem sentimentos de sua mente, não era mais alcançada.


Andava, sem saber, por ruas e vielas totalmente solitárias, olhando para a paisagem claustrofobica, dizendo a si mesmo que não queria mais lembrar daquilo, queria esquecer e sair daquele maldito lugar. A morte não era o fim? Maldito fim infindável. Paradoxal.Uma prisão para que pagá-se todos os pecados contra os que dele cuidaram, mas que dele nada ou quase nada receberam em troca? Castigado mesmo sem poder pedir clemência, sem ter uma outra chance? Max queria ir, sair da atemporalidade, da eterna amargura, na maldita pós-vida, mas não sabia como e nem se isso poderia ser possível.

Numa das caminhadas, no minuto infindável, sem nenhum pólo norte apontado em sua bússola mental, viu uma ladeira, que findava num ponto escuro, num buraco negro. Sem que algo o impedisse ou o alerta-se, Max rumou para o buraco negro no fim da rua.

Depois de uma curva pouco acentuada e de ouvir sussurros nas laterais, Max enfim viu o túnel que leva a ao buraco negro. Sem pensar duas vezes ele entrou.

O túnel ficava mais escuro a medida que se aproximava do buraco negro. Os tijolos avista que compunham a estrutura do local eram muito úmidos, semelhantes a poços de água antigos. O chão era cada vez mais escorregadio. O percurso assumira um tom de descida leve no início e ia acentuando-se cada vez mais, à medida que caminhava para o interior do túnel. Max percebera que ali dentro havia um catalisador invisível de suas angustias, a cada passo suas lembranças vinham mais fortes, mais desesperadoras e produziam nele uma vontade superficial de sair e voltar atrás correndo. Mas algo lhe parecia ainda mais estranho, o fato de mesmo assim querer continuar, penetrar naquele estranho poço-túnel.

O buraco negro se abria e escurecia. Tão negro e denso que Max não via mais nada. Apenas em sua mente havia um clarão, que mostrava um mosaico de cenas. Cenas vividas por ele? Algumas sim, pelo menos de algumas delas ele consegui se lembrar de ter vivido um dia, no passado. Outras eram desconhecidas, pessoas desconhecidas, lugares não vistos. O futuro? Talvez. Quando abria os olhos não via nada, a escuridão era a mistura de todas as cores da palheta de tintas em aquarela que compõe o mundo, formando o negro mais escuro possível. Mas quando as suas pálpebras se sobrepunham sobre seus globos oculares, serviam como uma grande tela de cinema ou mesmo um pequeno visor, de onde saiam aquelas imagens divididas entre o visto, o vivido e o desconhecido e esquecido em algum lugar do futuro.

Tomado por estas duas ações, olhos abertos e olhos fechados. Entre as imagens do clarão mosaical e a densa escuridão do buraco negro, Max não sente mais o chão. A ultima referência do mundo passado, a gravidade, sumira. Todo o peso da atmosfera e o toque dos pés no chão se perderam subitamente, ele estava flutuando. Seu corpo ficou na posição horizontal, de costas para baixo e pés para frente. E numa corrente de ar invisível na escuridão, mas palpável, ele era levado a uma velocidade extrema para frente. Sentia o vento forte que o levava e neste momento percebera que havia chegado ao buraco negro e que nele flutuava.

O destino daquela viajem pouco lhe importava, recebera de volta seus sentimentos. Sentira cada milímetro daquele êxtase flutuante. E fechando os olhos, vendo as imagens, queria curiosamente conhecê-las. Ver, quem sabe, ali uma resposta. Mas uma resposta sem fim, mutável, nunca uma verdade absoluta. Tudo era tão intenso, tão forte que ele nunca queria que passasse, recebera algo diferente e pouco provável para o mundo real que vivera. Nada de cronologia, nenhum começo nem um fim, uma constante sem o tempo, sem o espaço, sem a relatividade do envelhecimento, sem os sentimentos pequenos e medíocres dos quais nós humanos somos dotados, como o amor, a felicidade, a dor, o desejo, a raiva, a angustia, à vontade, a verdade, a linearidade, a narrativa, a cronologia, o fim. Quem sabe este fosse o céu, o paraíso ou então a transcendência? Ele não sabia, mas isto fazia parte das regras do anárquico mundo em estado flutuante de intensa movimentação entre o que estava fora e dentro do corpo de Max.

Lentamente ele foi se adequando ao novo mundo, o não sabia mais a diferença entre a densa escuridão e o clarão de imagens de sua mente. Por mais que estas imagens tivessem referência no mundo real, ele não sentia mais saudades e nem era tomado pela nostalgia do que passara.

Num momento, onde somado os efeitos causados pela viajem e sua adaptação a tudo aquilo, Max se vê sendo puxado para uma outra direção, que lhe parece uma descida. O ar toma características de um ciclone e a medida que vai afunilando, Max vai sendo comprimido e sugado.


Passa por uma abertura pequena, sentina, porém não vista. Apalpa suas mãos, uma na outra e depois as duas na cabeça, sente seus pés frios, e a balançar ao vento. Onde estou? Abrindo os olhos a escuridão fica pouco densa e, lentamente, vê alguns pontos de luz que ferem sua visão. O frio, e a solidão do terraço. Eles está de volta, ao terraço.
A velha casa dos pais. Volta num suspiro a realidade. Tudo não passara de uma de suas anestesias, a mais profunda delas. Max, espantado e ao mesmo tempo contido entende. Sua vida deveria mudar dali em diante. Nem mais um dia de sua vida seria como fora antes. Lembrou-se de tudo que viveu naquele lugar estranho, das palavras do velho mendigo, da angustia, do frio, do choro, do labirinto, das imagens, dos rostos, do poço-tunel, da viajem flutuante de volta. A escuridão sempre e mais densa antes da volta, antes da lucidez do mundo claro e escuro, porém sempre num meio termo, num equilíbrio, nunca intenso o suficiente para se tornar insuportável.


A vida tomaria um novo tom dali em diante. Max era o mesmo, envelhecera um pouco, mas ainda tinha aquela ingenuidade e personalidade de antes. Sua visão de como as coisas deveriam ser levadas dali em diante mudara. Um susto? Um aprendizado? Uma segunda chance? Max, 15 dias irreais e atemporais naquele maldito, porém amado mundo, para o qual não queria mais voltar, mas do qual guardou as lembranças para sempre.



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Emfim consegui terminar o Max. Foi demorado, cansativo e dolorido as vezes. Mas, apesar de este conto merecer rumos e descrições melhores, é o máximo, que por hora, consigo fazer.