quinta-feira, 22 de julho de 2010

Maresia da tarde


Divisa natural entre os morros

O carro negro corre. O cambio curto e maleável, nas subidas tende a não morrer, parece que morre, mas são apenas espurgos de ar, uma inspirada direta que resolve o problema. Um soco no ar morro acima, escorregando em algumas pedras soltas com o estomago cheio de carne de uma churrascaria de quinta. Uma leve parada para a maresia da tarde. Uma e quinze, o sol ainda brilha alto, e tudo é tão claro que é difícil acertar a abertura da retina, as pálpebras ficam ágeis e se fecham afirmando que querem um descanso para enfim lacrimejar, lubrificar a face interna da pele que cobre o olho.

Uma corrida em media velocidade para detrás de onde pousam os aviões, de onde saem os vôos pesados e distantes. Couraças insustentáveis que simplesmente mentem para o ar, mentem para o ambiente e mesmo quando todos acham que vai decair um pouco que seja em uma de suas laterais, ele sobe soberano, explosivo e com uma vontade que é infinitamente maior do que as pequenas e frágeis estruturas que o compõem por dentro. Talvez seja o torrencial sopro vindo de murmúrios de bocas distantes, que estão no fim do continente, nos morros costeiros que dividem duas porções globais de água. De lá vê levantar o vento que faz esses barões dos ares terem esse nome, olhando para tragédia que se instala nos descampados que rodeiam sua subida.

Um ou outro espasmo na respiração antes de pedalar pelo gramado que rodeia o aeroporto, no fim da avenida dupla, cheia de sinais, cheia de semáforos e com o asfalto listrado de cinza. O vermelho é sempre assim, ele vem e te encontra no meio da tarde, no meio da noite, no fim, na divisa natural entre os morros. Um vermelho natural e pegajoso. Mais uma outra daquelas explosões, uma menos sensata e mais realista.

sábado, 17 de julho de 2010

Explosões travestidas



Centenas de caminhões que andam entre 80 e 100 km/h.

As pessoas precisam de uma roupa nova. Elas devem conhecer o conforto de cada umas das texturas dos mais diversos tecidos. As cores são importantes é claro. Os desenhos, a composição deles é imprescindível, eles devem estar afinados, cantando harmoniosamente a ponto de serem simples. Não deixando de lado nunca o fato de ter de ser surpreendente. O desenho a mão livre. A liberdade de andar, caminhar vagarosamente pelo crepúsculo noturno, a chuva fina, o vento gelado e forte que chacoalha os galhos de alguns eucaliptos. Andar lá fora e sentir-se confortável dentro de uma moletom, uma calça, cueca azul claro e um macio solado de borracha. Olhando sempre os buracos na rua e as manobras em alta velocidade entre milhares, centenas de caminhões que andam entre 80 e 100 km/h.

No começo era mais simples. Não sabendo encaixar as peças direto. Como único companheiros, somente o medo de ter que voltar e perder o tiro sem nem mesmo tentar. Sem poder saber se era a cabeça do adversário ou a sua que sangraria com uma explosão de carne queimada que descola da face oposta do crânio, o buraco por onde sai o projétil. O tiro certeiro. Eu tenho medo e quanto mais perto estiver dessa visão, menos ela me assombrará. O medo de que ela venha e sem pedir, me leve embora. Quero ver o que acontece quanto tudo ainda é recente, quando ainda está quente. Quando as coisas escuras estejam presentes apenas em pequenos flashes. Visões com pouca luz na noite perdida naquele bairro escuro e tão longe. Lá onde o triste fim é escrito a tiros no coração da mãe que grita na encruzilhada a morte violenta de um menino de uns 17 ou 19 anos que naquele dia perdeu. São apenas explosões travestidas.