terça-feira, 22 de janeiro de 2008

A Solidão de Um Menino - Parte 4

Rossinho encontra sua avó morta. O velório e enterro de dona Isabel.

Caminharam por alguns quilômetros, o homem a frente e o menino atrás. A estrada é um pouco longa. Após saírem da mata fechada, entram em um pequeno bosque, próximo ao Rio Negro. Neste Bosque as árvores estão com uma distância maior entre si. No meio dele se encontra uma trilha de terra, por onde os dois caminham agora mais rápido por haver menos obstáculos. Após a rápida passagem pelo bosque chegam à estrada de terra. Mais alguns quilômetros e entram em um outro bosque, este é menor, é o que envolve a casa da falecida Dona Isabel. Ao se aproximarem da casa Rossinho vê alguns cavalos amarrados em uma árvore a poucos metros da casa. Eram alguns cavalos apenas, mas ele nunca havia visto tantos reunidos. Por ali brincavam algumas crianças. Meninos e meninas, todos bem vestidos, usando até mesmo sapatos, coisa que ele só vira nos pés de adultos. Ao lado da porta da casa um menino franzino, muito bem vestido, com um chapéu preto e um peão na mão, olhava fixamente para o chão. Com a ponta inferior do peão desenhava no solo uma cruz. Parecia muito triste, e ali permanecia isolado, enquanto as outras crianças brincavam alegres, sem se dar conta da realidade, ou mesmo sem entendê-la.
Rossinho entrou na casa. Todos os olhares se voltaram para ele naquele momento. Sua imagem era bizarra demais e chamava muito a atenção. Não apenas pelo visual, mas também pelo cheiro que dele exalava, um fedor muito forte. Aproximou-se do caixão, com sua corda de cipó enrolada ao corpo e sua lança rupestre nas mãos. Um verdadeiro selvagem perante os homens, mulheres e crianças bem vestidos e cheios de cerimônias formais durante os processos de relacionamento. Ele pouco se importava, na verdade era imune aqueles olhares, pois a inocência o impedia de agir maliciosamente e assim decodificá-los.
Olhando para sua avó ali deitada, imóvel, com a pele pálida e o tórax levemente inchado, Rossinho teve sua primeira reação de pesar. Mesmo que dela tivesse apenas algumas boas e restritas lembranças, mesmo que por ele pouco fizera durante sua vida, ainda assim era a única que algo tinha feito, por isso então lhe devia algum respeito. Até mesmo este resquício de educação e decência que o levava a ter tais pensamentos eram provindos da pouca educação recebida dela, de sua avó.
Espontaneamente, algumas lágrimas fluíram de seus olhos. Poucas e tímidas gotas. Tão tímidas que ninguém as percebeu, apenas ele. Secou-as e caminhou até os pés de Dona Isabel. Ali, segurou-os por alguns segundos, virou-se e se retirou. Assim como muitas outras coisas em sua vida, sua dor também era solitária, sua retirada para fora da casa não era por vergonha, mas sim por necessidade, a necessidade da solidão, muito mais do que os outros. Sua dor era sincera, por isso solitária.
Lá fora, sentou-se num tronco de árvore cortada, próximo a janela direita, na frente da casa, onde costumava ficar depois do almoço. Com sua lança riscava o chão, eram apenas rabiscos, o pouco que aprendera na escola, já se esquecera de quase tudo. O inconstante e tempestuoso menino, agora constituía um semblante triste e submisso. A única pessoa que um dia havia se importado com ele, mesmo que quase nada, se fora. Mas entre zero e um, mesmo o pouco é melhor do que nada. Agora tinha de se acostumar verdadeiramente com a idéia da solidão, o pouco de companhia humana que lhe restava não existia mais.
Após algumas horas, os parentes todos resolveram que já bastava de velório e era chegada a hora do enterro. Fecharam o caixão. Alguns homens se aproximaram, pegaram-no pelas alças e começaram a marcha fúnebre, que se seguiria até o interior do bosque, onde a enterrariam juntamente com o patriarca da família, o marido e Dona Isabel. Ao passarem pela porta, o menino viu o cortejo e permaneceu sentado por mais alguns minutos, até que todos passassem. Quando já estavam a uma pequena distância, começou a segui-los, porém sempre de longe.
Quando chegaram ao local do enterro, a cova já estava aberta. Ao lado, terra fresca recentemente mexida, tirada de seu lugar. As várias lápides mostravam que aquela família ocupava a região há muitas décadas. Antes de colocarem o caixão na cova, o filho mais velho da senhora disse algumas palavras. Enquanto as dizia vagarosamente raciocinando bem em cada uma delas antes de lançara para fora da boca, uma fina e tranqüila chuva inicia-se. Todos se apressam inclusive o orador. Enterram rapidamente a senhora e correm em direção a casa para abrigarem-se. No momento do recuo, todos passam por Rossinho, olhando-o duramente. No momento em que ele desvia o olhar da cova de sua avó e o cruza com os de seus parentes, eles rapidamente o direcionam para o chão. Todos chegam na casa, menos o menino, menos o solitário Rossinho. Ele permanece lá próximo a cova, agora completa com o caixão e a terra.
Continua...

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