segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

A Solidão de Um Menino - Parte 2

A fuga de Rossinho. A morte e o início do velório de Dona Isabel.
Já havia passado uns três anos e ele ainda estava na primeira série e não tinha aprendido a ler ainda. A idade mais avançada do que a de seus colegas de turma lhe conferia mais uma característica para agravar ainda mais seus problemas de relacionamento. Tornara-se o “valentão” daquela pequena escola rural, constantemente arrumava confusões e batia nas crianças menores. No momento em que a responsabilidade sobre os atos aparecia, quando tinha de ir à sala da diretora explicar-se, corria e pulava a cerca pela lateral esquerda do pátio e sumia para dentro de uma pequena floresta que ficava naquela direção. Corria bastante até chegar numa clareira, onde havia algumas pedras bem grandes que ficavam ao sol durante a manhã e a sombra durante a tarde. Ali ficava horas e horas deitado olhando para o céu, tentando desvendar o que as nuvens diziam através de suas formas diversas.
Descobrira ali seu lugar, seu castelo, seu esconderijo. Sempre que tinha problemas corria até lá, chegava ofegante e deitava sobre as pedras. Com o tempo passou a ficar mais ali do que em qualquer outro lugar. Correr pela extensa área de vegetação nativa lhe conferiu um grande conhecimento da natureza e da biodiversidade daquela região. Conhecia como ninguém os costumes dos animais, das plantas e com eles mantinha um bom relacionamento. Conversava com as árvores e com os pássaros. Conversava mesmo, os entendia de verdade. Eram seus pais, e ele seu filho.
Em pouco tempo já havia construído ali uma pequena cabana, com galhos e cipó. Com a chuva aprendeu a fazer valetas em volta de seu novo lar. Descobriu que ali mesmo podia conseguir seu alimento, sua vestimenta e proteção. Passou a amar aquele lugar e prometeu a si mesmo que nunca mais sairia dali, que passaria o resto de seus dias naquela cabana em companhia de seus amigos do bosque. Agora não era mais só, estar ali junto de seres os quais não demonstravam nenhum preconceito contra ele era muito bom e o melhor, ele percebia isso, sentia como estar ali fazia diferença. Neste lugar estava em paz, seu espírito lentamente começava a aquietar-se, ficava a cada dia mais manso.
Dona Isabel faleceu. E seus filhos vieram até sua casa para fazer o velório, um modesto velório. Seria realizado ali mesmo, na casa da velha senhora. Prepararam então o local, o corpo dela e também a si mesmos e seus filhos, várias crianças todos netos de Dona Isabel. Quando tudo estava pronto, e já estavam a velar o corpo, um dos filhos da velha senhora lembrou que na última vez que a visitara há alguns anos, um menino sardento com orelhas em abano e muito calado morava ali com ela. Comentou com alguns parentes e um deles refrescou a memória de todos. Era o único filho de seu irmão mais novo, que havia sido morto na guerra há anos. E depois de chegada a notícia a mãe do garoto o havia abandonado, assim sendo dado aos cuidados de sua velha mãe, a avó do menino. Mas pouco o conheciam, pois pouco visitavam aquele lugar. Apenas de vista algumas vezes, e a história fora muito comentada na época, porém logo esquecida. Todos se perguntaram do possível paradeiro daquele menino. Talvez tivesse tão triste com a morte a avó, que poderia ter ido pranteá-la a sós, quem sabe. Todos se perguntavam, e logo resolveram procurá-lo pelas redondezas. Afinal, Dona Isabel deveria gostar muito de seu companheirinho, e certamente seria de seu gosto que ele estivesse ali presente naquela despedida.
Na verdade Rossinho nem mesmo tinha consciência da morte de sua avó. Fazia alguns meses que não retornava a casa dela. Passava às vezes mais de quatro ou cinco meses sem voltar para visitá-la. Nem ele, nem mesmo ela se importavam muito com isso. Assim sendo, em seus planos só a visitaria dali algumas semanas.
Continua...

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