terça-feira, 19 de agosto de 2008

Max, 15 dias antes de morrer - Final




Massimo Listri


O poço-túnel e a volta.


Aquele dia não era mais um dia, parecia um eterno minuto que nunca passava. A relação entre a concepção antiga de tempo e a descoberta de sua morte haviam se misturado e agora tudo parecia algo alternativo, o tempo como conhecera, relativo ao espaço, não existia mais. Até por que aquela realidade era outra, um “espaço” diferente do mundo que vivera em vida, o tempo estava mesmo diferente. Num mundo desconhecido, mas com referências intimas com o mundo passado, ele estava agora neste estado, de profunda indiferença temporal.

Max percebeu o quanto havia perdido, vislumbrou durante esta estada no labirinto o quanto perdera e o pouco valor que dera as coisas, pequenas coisas, que tinha antes de sua morte. Depois da muitas tentativas de anestesias, de lograr momentos fora da sua vida cotidiana, preocupando apenas com sua satisfação medíocre e egoísta, ele percebera que tinha muitas coisas, as quais deveria ter dado valor, deveria ter demonstrado mais amor e mais apego. Coisas, situações, pessoas, as quais deveria ter se apegado e ser feliz com elas. Mas não, sua escolha pela individualidade, solidão, êxtase próprio o roubaram disto por muito tempo, e, desta vez, havia ido tão longe que um retorno era, por hora impossível.

Amargurava solitário, por dias chorava na escuridão, um choro tímido e tão dolorido vinha à tona nos momentos nostálgicos. Rostos passavam em sua mente, e por vezes uma mesma cena, um mesmo rosto pairava em suas lembranças. Para onde quer que olhasse naquele labirinto via aquele rosto. As lembranças de suas últimas experiências antes de morrer eram portas que deixavam o frio inverno se apoderar cada vez mais daquele lugar. E o pior era que agora, além de sua vida e das coisas que tanto amara e que pouco valor as dera, sua capacidade de esquecer, de se livrar e cair num vazio escuro e sem sentimentos de sua mente, não era mais alcançada.


Andava, sem saber, por ruas e vielas totalmente solitárias, olhando para a paisagem claustrofobica, dizendo a si mesmo que não queria mais lembrar daquilo, queria esquecer e sair daquele maldito lugar. A morte não era o fim? Maldito fim infindável. Paradoxal.Uma prisão para que pagá-se todos os pecados contra os que dele cuidaram, mas que dele nada ou quase nada receberam em troca? Castigado mesmo sem poder pedir clemência, sem ter uma outra chance? Max queria ir, sair da atemporalidade, da eterna amargura, na maldita pós-vida, mas não sabia como e nem se isso poderia ser possível.

Numa das caminhadas, no minuto infindável, sem nenhum pólo norte apontado em sua bússola mental, viu uma ladeira, que findava num ponto escuro, num buraco negro. Sem que algo o impedisse ou o alerta-se, Max rumou para o buraco negro no fim da rua.

Depois de uma curva pouco acentuada e de ouvir sussurros nas laterais, Max enfim viu o túnel que leva a ao buraco negro. Sem pensar duas vezes ele entrou.

O túnel ficava mais escuro a medida que se aproximava do buraco negro. Os tijolos avista que compunham a estrutura do local eram muito úmidos, semelhantes a poços de água antigos. O chão era cada vez mais escorregadio. O percurso assumira um tom de descida leve no início e ia acentuando-se cada vez mais, à medida que caminhava para o interior do túnel. Max percebera que ali dentro havia um catalisador invisível de suas angustias, a cada passo suas lembranças vinham mais fortes, mais desesperadoras e produziam nele uma vontade superficial de sair e voltar atrás correndo. Mas algo lhe parecia ainda mais estranho, o fato de mesmo assim querer continuar, penetrar naquele estranho poço-túnel.

O buraco negro se abria e escurecia. Tão negro e denso que Max não via mais nada. Apenas em sua mente havia um clarão, que mostrava um mosaico de cenas. Cenas vividas por ele? Algumas sim, pelo menos de algumas delas ele consegui se lembrar de ter vivido um dia, no passado. Outras eram desconhecidas, pessoas desconhecidas, lugares não vistos. O futuro? Talvez. Quando abria os olhos não via nada, a escuridão era a mistura de todas as cores da palheta de tintas em aquarela que compõe o mundo, formando o negro mais escuro possível. Mas quando as suas pálpebras se sobrepunham sobre seus globos oculares, serviam como uma grande tela de cinema ou mesmo um pequeno visor, de onde saiam aquelas imagens divididas entre o visto, o vivido e o desconhecido e esquecido em algum lugar do futuro.

Tomado por estas duas ações, olhos abertos e olhos fechados. Entre as imagens do clarão mosaical e a densa escuridão do buraco negro, Max não sente mais o chão. A ultima referência do mundo passado, a gravidade, sumira. Todo o peso da atmosfera e o toque dos pés no chão se perderam subitamente, ele estava flutuando. Seu corpo ficou na posição horizontal, de costas para baixo e pés para frente. E numa corrente de ar invisível na escuridão, mas palpável, ele era levado a uma velocidade extrema para frente. Sentia o vento forte que o levava e neste momento percebera que havia chegado ao buraco negro e que nele flutuava.

O destino daquela viajem pouco lhe importava, recebera de volta seus sentimentos. Sentira cada milímetro daquele êxtase flutuante. E fechando os olhos, vendo as imagens, queria curiosamente conhecê-las. Ver, quem sabe, ali uma resposta. Mas uma resposta sem fim, mutável, nunca uma verdade absoluta. Tudo era tão intenso, tão forte que ele nunca queria que passasse, recebera algo diferente e pouco provável para o mundo real que vivera. Nada de cronologia, nenhum começo nem um fim, uma constante sem o tempo, sem o espaço, sem a relatividade do envelhecimento, sem os sentimentos pequenos e medíocres dos quais nós humanos somos dotados, como o amor, a felicidade, a dor, o desejo, a raiva, a angustia, à vontade, a verdade, a linearidade, a narrativa, a cronologia, o fim. Quem sabe este fosse o céu, o paraíso ou então a transcendência? Ele não sabia, mas isto fazia parte das regras do anárquico mundo em estado flutuante de intensa movimentação entre o que estava fora e dentro do corpo de Max.

Lentamente ele foi se adequando ao novo mundo, o não sabia mais a diferença entre a densa escuridão e o clarão de imagens de sua mente. Por mais que estas imagens tivessem referência no mundo real, ele não sentia mais saudades e nem era tomado pela nostalgia do que passara.

Num momento, onde somado os efeitos causados pela viajem e sua adaptação a tudo aquilo, Max se vê sendo puxado para uma outra direção, que lhe parece uma descida. O ar toma características de um ciclone e a medida que vai afunilando, Max vai sendo comprimido e sugado.


Passa por uma abertura pequena, sentina, porém não vista. Apalpa suas mãos, uma na outra e depois as duas na cabeça, sente seus pés frios, e a balançar ao vento. Onde estou? Abrindo os olhos a escuridão fica pouco densa e, lentamente, vê alguns pontos de luz que ferem sua visão. O frio, e a solidão do terraço. Eles está de volta, ao terraço.
A velha casa dos pais. Volta num suspiro a realidade. Tudo não passara de uma de suas anestesias, a mais profunda delas. Max, espantado e ao mesmo tempo contido entende. Sua vida deveria mudar dali em diante. Nem mais um dia de sua vida seria como fora antes. Lembrou-se de tudo que viveu naquele lugar estranho, das palavras do velho mendigo, da angustia, do frio, do choro, do labirinto, das imagens, dos rostos, do poço-tunel, da viajem flutuante de volta. A escuridão sempre e mais densa antes da volta, antes da lucidez do mundo claro e escuro, porém sempre num meio termo, num equilíbrio, nunca intenso o suficiente para se tornar insuportável.


A vida tomaria um novo tom dali em diante. Max era o mesmo, envelhecera um pouco, mas ainda tinha aquela ingenuidade e personalidade de antes. Sua visão de como as coisas deveriam ser levadas dali em diante mudara. Um susto? Um aprendizado? Uma segunda chance? Max, 15 dias irreais e atemporais naquele maldito, porém amado mundo, para o qual não queria mais voltar, mas do qual guardou as lembranças para sempre.



* * * * * *


Emfim consegui terminar o Max. Foi demorado, cansativo e dolorido as vezes. Mas, apesar de este conto merecer rumos e descrições melhores, é o máximo, que por hora, consigo fazer.

Um comentário:

Brunow disse...

Finalmente, o fim!
Depois de tanto que eu cobrei e o tanto que percebia a dificuldade de se terminar essa história o fim chegou...
Querendo o autor ou não um rumo diferente, ou mesmo achar injusto o que passe um personagem que criou com tanto carinho, este é o fim. Revelador e fiel ao mundo que foi construído.
Jadson, parece q vc não gostou do final, sei que queria mais. Mas cada um tem sua hora. Max teve a vez dele, mas as suas estão aí. Reescreva outro fim se quiser, ou comece outra história, tente ir mais longe, escrever cada vez mais. Não perca o espírito.
Talvez a força que empurrava Max para dentro do buraco seja isso...