terça-feira, 29 de abril de 2008

Max, 15 dias antes de morrer - parte 1


Quando as coisas começaram a acontecer. Ou quando agente percebe que elas começam. Agente, não ele.

Judith Wagner


F
altavam poucos dias para terminar as férias de verão. Férias que foram bem aproveitadas desde seu começo, no início de dezembro. Logo que as cansativas aulas da faculdade terminaram. Tudo que ele queria era viajar para casa dos pais e relaxar naquele período de descanso. Até o fim de janeiro tudo havia corrido numa perfeita ordem, exatamente como planejara pouco tempo antes do fim das aulas. Havia esperado muito por aquelas férias, o ano havia sido muito tenso, a faculdade tinha sido mais cansativa do que nunca. Enfim as férias tinham vindo, e agora já estavam acabando.

Max era muito sistemático, sempre, quando tinha um determinado tempo antes de um acontecimento ou mesmo antes de uma atitude qualquer, gostava de planejar meticulosamente suas ações. Isso nem sempre se tornava fato. Na verdade, esses planos que eram arquitetados em sua mente quase nunca eram cumpridos. Os imprevistos são constantes na vida de uma pessoa distraída. Definitivamente ele tinha exatamente as características de uma pessoa distraída. Mesmo assim ele se mantinha, inconscientemente às vezes, com seus planejamentos, e desta vez, pelo menos até aquele momento, os acontecimentos tinha seguido a risca os traçados na planilha mental deste jovem rapaz.

Aquelas férias foram especialmente chatas. Em qualquer lugar que olhasse via um enorme “boring” estampado. Nas paredes do antigo quarto na casa dos pais, nas ruas empoeiradas daquela pequena cidade do interior, nas mesas do barzinho “point” da cidade, no eterno “bobódromo” que havia se tornado a rua principal onde o “pessoalzinho” se encontrava. As pessoas mudaram, mas o esquema de diversão interiorano não, e passadas algumas poucas gerações tudo estava ali, no mesmo lugar, do mesmo jeito. Ele não tinha muito dinheiro para se juntar à galerinha dos “mauricinhos” e “patricinhas”, muito menos ao estilo deles. Nada de ir aos grandes shows que aconteciam nas cidades vizinhas ou mesmo aos Clubes noturnos, onde se davam as grandes festas e certamente coisas mais interessantes teria para fazer. Gente “bonita”, esnobe, mas plasticamente melhores e divertidas, que viviam a vida de verdade. Isso era o que ele pensava.

Às vezes ele realmente se importava, mas na maioria das vezes não. Gostava mesmo da vida que levava. Tinha, ainda, alguns amigos na sua cidade natal. A maioria deles, se não todos levavam a mesma vidinha. Estes poucos amigos que lhe restaram desde que fora embora para a capital há poucos anos para fazer a tão sonhada faculdade de, eram um tipo de irmandade. Desde os tempos de garoto sempre andavam juntos. Jogavam bola, videogame, trocavam revistas de mulheres peladas, andavam com suas bicicletas velhas e geralmente quebradas, sempre faltando alguma peça, mas estavam lá firmes e fortes. Foram bons tempos, a infância aproveitada ao máximo com brincadeiras, amizades, coisas que não voltavam mais e que deixavam Max nostálgico muitas vezes. Enfim, aos 23 anos ele matinha muitos dos costumes de garoto, não crescera muito, nem mesmo de estatura. Aquelas espinhas remanescentes e o estereótipo adolescente que ainda lhe tomava conta, sem barba, sem pelos no peito, sem qualquer característica masculina mais adulta, o tornavam num rapaz de 23 com cara de 17. Sua personalidade denotava ainda mais isso.

Ao contrário do que muitos rapazes desta idade e desta geração, ele ainda jogava videogame, não sabia dirigir, havia tido algumas tímidas e escassas experiências sexuais, fazia coleção de bonés e de tênis de futebol de salão, andava de bicicleta. Era feliz assim, gostava deste estilo criança, apesar de torná-lo quase que um ser assexuado perante as mocinhas da cidade e motivo de chacota, sarro e gozação. Era um verdadeiro avesso aos paradigmas do crescimento e amadurecimento comuns. Mas felizmente ou não, sentia-se bem desta maneira. Nem passava pela sua cabeça mudar aquele curso, seus planos tinham sempre aquela mesma linha, que já estava gasta pelo tempo, sempre as mesmas coisas, mas isso não lhe importava nem um pouco. Era praticamente automático.

O que ele não planejara é que algo poderia fugir de seu controle naquelas férias. Algo que nem ele mesmo percebera que havia fugido de dentro de si. Algo que foi se revelando aos poucos, vagarosamente. Naquele tempo dedicado ao seu descanso e retomada de atividades passadas, sozinho ou com os antigos amigos, nele havia despertado um lado obscuro, que ele pouco conhecia. Talvez tenha sido a primeira vez que tivesse contado com esta faceta escondida, que nem mesmo o tempo conseguira revelar. Veio devagar o suficiente para que ele não percebesse, mas demasiadamente rápido para tomar conta dele em menos de dois meses.

Algumas pessoas mudam, mas continuam com muitas características do passado, outras mudam tão radicalmente que se tornam irreconhecíveis, mesmo para os mais próximos. Certamente, Max nunca mais seria o mesmo.



***



Começo hoje a contar a história de Max. Ou melhor, um lado da história, talvez a parte mais importante.


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