sexta-feira, 2 de maio de 2008

Max, 15 dias antes de morrer - Parte 2


A sorveteria. A praça. O passado.

Antes de ir morar na capital, quando conseguira passar no vestibular, Max trabalhava em uma sorveteria. Uma bem badalada, numa das extremidades do “bobódromo”. Era um ponto de encontro dos jovens abastados e beberrões. Vendiam mais bebidas do que sorvete. Max e seu grande amigo Vlad serviam ali. Trabalhavam quase que todos os dias, sem folgas, sempre no turno da noite e com muitas horas de labuta. Entravam às seis da tarde com horário de saída previsto para a meia-noite. Isso era o que tinha sido prometido pelo dono da sorveteria. Um jovem rapaz, que havia tomado as rédeas do negócio com o envelhecimento de seu sogro, o verdadeiro proprietário. Antônio, este era seu nome. Um maldito carrasco. Aproveitava-se dos garotos que tinha poucas opções de trabalho e os fazia trabalhar até que a sorveteria fechasse. O que quase em todos os dias passava longamente das doze horas da noite.

Contudo, apesar deste quadro escravagista, os dois divertiam-se bastante. Conheciam e conversavam com a cidade inteira. Colocavam algumas músicas no rádio da sorveteria e os clientes sempre elogiavam o gosto musical dos rapazes. Apesar da simpatia que mostravam a dupla de serventes, não passavam de clientes mentirosos e arrogantes. Eram amigos eternos, enquanto os dois vestiam o avental e o boné do uniforme e não passavam de dois garçons amigáveis que contavam historinhas engraçadas sempre muito educados. Foram dali mal os cumprimentavam, isso se algum cumprimento fora da sorveteria existiu, o que é bem pouco provável.


Scot Frei


Max e Vlad pouco se importavam com mais este fato. Percebiam. Eram gentis. Mas por trás sempre se vingavam. Tanto dos abusos do patrão como da falsidade escancarada dos clientes.

Primeiro do patrão. Deste, eles adoravam se vingar. Todos os dias, no final do expediente, na hora de jogar o lixo, levavam consigo para o lado de fora da sorveteria, pela porta dos fundos, algo a mais do que simples e negros sacos plásticos. Seis ou sete garrafas de cerveja, um maço do cigarro mais caro e alguns chocolates, este era o “pagamento” das horas extras, como eles mesmos diziam entre si.

Os clientes, este tinham um castigo pior. Reclamou do serviço? Tudo bem fazemos de novo. Reclamou de sacanagem ou sem motivo, por pura pentelhagem? Toma sorvete cuspido. E não é um ‘cuspezinho’ assim, daqueles saliventos. Um verdadeiro despacho de mucosa nasal e pulmonar, catarro verde mesmo. Enquanto a clientela filha-da-puta tomava o seu sorvete ou seu suco natural, com uns ingredientes a mais, os dois mantinham a pose. Falsos, mas com razão. Humilhados? Talvez. Vingados? Ah, claro que sim. Felizes? Não se pode saber.

Esse trabalho lhe rendeu bons tempos com Vlad. Pena que quando o expediente acabava, não existia nenhum movimento se quer na rua. Desertas, com direito a bola de feno rolando ladeira a baixo, com aquela nuvem de poeira acompanhando, ambas levadas pela brisa que passa sem obstáculos. Assim só restava andar até a praça da igreja, fumar os cigarros e beber as cervejas. Sós os dois amigos. Às vezes eram acompanhados por Will, ex-funcionário da sorveteria, que já conhecia o esquema do “pagamento” das horas extras, e ficava rondando o estabelecimento perto da hora de fechar para participar das tragadas e dos goles. Mas isso era esporádico, só quando ele estava com as reservas monetária caídas. O certo era que quase todas as madrugadas, os dois poderiam ser facilmente encontrados na praça da igreja ou na frente da casa de Vlad há desfrutar os prazeres destrutivos da carne.

Falando em prazeres da carne. O sexo? Isso ainda era desconhecido a eles. Talvez conhecessem bem a nomenclatura, algo como “lado teórico”, pratica mesmo, só a das mãos peludas. A era dos 17 anos, uma vida quase que abreviada na sorveteria, no vídeo-game, nos jogos de futebol na quadra da velha escola e nas noites sem fim nas praças e ruas desertas, isso sem contar com a literatura pornográfica e as sessões cinematográficas com atrizes de “boa aparência física”, vulgas “gostosas”. Poucos amigos, e nenhuma amiga ou namorada. Esquecera deste lado da vida. Eram adolescentes despreocupados. Nem mesmo tinham em mente seus anseios universitários e profissionais. Vlad muito menos. Era desgraçadamente inteligente, um verdadeiro “sênior” em matemática, mas disso só tirava proveito na hora de calcular e conferir o caixa da sorveteria.

Viviam num mundo pequeno, cheio de detalhes pontuais, mas não eram medíocres. Humilhados, mas nunca sem orgulho. Sua amizade era seu orgulho. Mas isto logo iria mudar. Mais do que eles jamais imaginaram.

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