quarta-feira, 11 de junho de 2008

Max, 15 dias antes de morrer – Parte 5

Caminhar sem observar. Os dois misteriosos senhores. A notícia confusa e sem explicações.



Owaki


Ao fim da estrada, depois de um dia inteiro no caminho errado, Max volta a si. Já era oito da noite, o sol já havia deixado aquele mundo há algumas horas. Ele estava completamente exausto, apesar de não sentir isso tão intensamente. Seus dedos dos pés doíam como nunca. Aqueles tênis, apesar de velhos, gastos e no formato exato dos membros, estavam saturando a carne úmida pelo suor.

Max resolveu sentar. Ali mesmo naquela calçada desconhecia, com pedras brutas, sem corte ou formato industrializado, ele depositou com calma toda sua musculatura, queria sentir, tatear aquela áspera superfície. Seus sentidos aos poucos voltavam, sua razão podia agora ser retomada. O turbilhão, intenso e arrebatador passava calmamente. Ele se refazia depois de um período absurdo de conturbação, algo extra-humano.

As caminhadas sempre foram freqüentes em sua vida. Acostumado a sempre sair antes para poder ir a pé, longas distâncias não o cansavam fácil. Isso se dava de uma maneira muito mais funcional do que por um bel prazer. Max nunca teve carro, nem mesmo sua família. Ou ônibus, ou da maneira mais tradicional e antiga de locomoção do ser humano, com as próprias pernas.

Cogitou uma vez, um pouco antes das férias, comprar uma bicicleta. Seria útil, pensava ele, já que por muito tempo sua amarelinha de banco vermelho lhe servira muito bem, e com sua manutenção pouco havia despendido. Más, devido a sua preocupação com o trânsito caótico daquela cidade, achou melhor e mais seguro manter-se nas calçadas a caminhar, ao invés de disputar o precioso espaço das ruas, ocupadas pelos dominadores veículos a motor.

Caminhar o trazia algo que por muito tempo nem se dera conta. Sua observação, com a lentidão dos percursos, aumentara. Suas “viagens”, mais lentas do que as feitas em veículos, proporcionavam um conhecimento maior dos caminhos, das paisagens, das pessoas, daquele mundo, ora estranho, ora tão simples e comum. Os detalhes das nuvens eram seu deleite, só havia algo mais apaixonante do que olhá-las, a observação das estrelas. Caminhar a noite era menos sensato, porém, muito mais prazeroso para ele. Porem, aquela caminhada fora bem diferente. Dela nenhum detalhe ele guardara, não sabia nem por onde andara, apenas sabia que tinha sido longa e dolorosa.

Um ar súbito, sem origem, sem direção nenhuma, apenas com uma força descomunal abriu sua camisa, e como um ladrão que não avisa nem bate a porta com delicadeza o invadiu, ele sentiu cada centímetro. Sentiu o chão, e a dor de seus pés era a mais aguda de todas as sensações. Como que tivesse escamas nos olhos, e estas fossem sem mais nem menos retiradas, ele voltou a enxergar. Respirou tão fundo, que cada brônquio ardeu e congelou, o frescor que doía o fez definitivamente voltar ao mundo, o tempo havia chegado.

Alguns cochichos, lentos e distantes, e ele reconhece, mesmo que ainda vagarosamente, o lugar onde se encontra. Um local jamais visto por ele fisicamente, talvez em sonhos esquecidos o tivesse conhecido, mas isto não passava de uma gaveta entreaberta em sua mente. Todo seu poder cognitivo aplicado, e nada. Perdido, num lugar que apenas vira em sonhos esquecidos.

A ansiedade veio, suas pernas, cansadas, começaram a tremer, a saltitar num movimento frenético. Estralava os dedos, coçava a cabeça, olhava para os lados com movimentos rápidos. – Onde eu estou meu Deus? Que lugar maldito é este? – se perguntava.

Na esquina, uma pequena luz. Um velho poste, com os vitrais amarelados, quase densos, longe da transparência necessária para uma boa iluminação. Em pé, a poucos metros do poste, um homem. Uma figura bem vestida, com um paletó preto e sapatos tão lustrados que brilhavam com a luz rala.

Max, com muita dificuldade se levantou, e foi até o homem em busca de alguma explicação. Eram, de acordo com sua visão, apenas eles naquele lugar. Aquele silêncio, diferente das multidões que ocupavam a ruas diariamente, o deixava ensurdecido e melancólico. Mesmo assim, conseguia controlar o desespero. Andava rapidamente e com muita dor, até o homem.

- O senhor, que faz aqui? Que lugar tenebroso é este?

- Eu é que pergunto, quem é você?

- A sim, me desculpe, sou Max, Max Montese, muito prazer?

- Sim é claro, já o esperava, chegou cedo. Isso estava previsto somente para daqui um tempo. Mas já que está aqui...

- Não, não, há algum engano, não era para eu estar aqui, na verdade nem sei como vim parar aqui. O senhor sabe que caminho tomo para voltar?

- Caminho, que caminho? Voltar, voltar pra onde?

- Senhor, o senhor não está entendendo, não sou daqui, acho que devo ter me perdido, amanhã cedo tenho compromissos inadiáveis, hoje já passei o dia inteiro fora e nem dei satisfações a ninguém, preciso voltar imediatamente, logo ficará tarde e daí, daí será mais difícil voltar, à medida que escurece tudo fica mais difícil.

- Compromissos? Satisfações? Imediatamente? Tarde? Difícil? Que significa isso, quem pensa que é? Onde pensa que está? Você já se decidiu, mesmo com toda inexperiência, mas foi algo vindo de você, agora, agora tudo fica para trás. Você já devia ter consciência disso meu caro.

- Não, não, o senhor definitivamente está me confundindo, ou não esta em sua lucidez plena. Eu não o conheço e não me lembro de ter decidido nada. Quer saber, deixa pra lá. Só me diga aonde este caminho aqui vai dar. – Apontou firmemente para o lado da rua por onde acreditava ter vindo, mesmo com toda a incerteza a respeito disso.

- Que importa onde vai dar, você não chegará a lugar nenhum. Esse mundo é apenas isto. Aceite e descobrirá o caminho, e isso se ele existir um dia. A decisão foi sua, e a saída é algo que, no momento, a você está vetada. A fuga resulta nisso, eu e ele achávamos que você sabia, mas parece que não, agora é tarde demais.

- Como assim? Pare com essa ladainha. Você e quem? Quem? Tem mais alguém por aqui?- Max gritou desesperado e desconfiado, com muito medo.

Neste momento, um outro senhor, mais simples e menos refinado no vestuário quanto o primeiro, sai por detrás das sobras, no limite da luz do poste.

- Olá rapaz, passou rápido não é, o tempo tem passado rápido ultimamente.

- Quem é você, te conheço? Meu Deus chega, quem são vocês, estão me deixando maluco, alguém me de uma explicação plausível, chega de enigmas, chega de charadas, só quero ir embora, voltar pro meu quarto, dormir e esquecer este dia, se é que dele guardo alguma lembrança.

Neste momento, o segundo homem se aproxima do primeiro, os dois são muito parecidos, a face é quase a mesma. Mas os semblantes distintos, algo como irmãos gememos criados em climas diferentes. Ambos se olham e voltam para Max, que está ofegante, a dúvida era tão grande que ele queria atacá-los e expurgar uma resposta a força.

- Max você está morto! – Numa coesão perfeita, algo tão sonoro quanto uma música.

-Eu o que?

Os dois viram as costas e somem na escuridão.

Max sai correndo atrás deles. Corre por diversas ruas, e sempre volta ao poste. Um labirinto. O tempo não passa mais tão rapidamente como antes. A clausura parece alongar as distancias e os minutos.



* * * * *

São apenas mais dois capítulos. O fim está próximo.


* * * * *

"... aquele dia será inesquecísvel, alguma coisa eu já prescentia, mesmo assim me espantei com a notícia. Ele sempre foi desatento. Não sei se de propósito ou se ele nem sentia mais. Ao final de tudo eu já esperava, sempre soube que seria assim." - Diário de Vlad Constâncio

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