terça-feira, 13 de novembro de 2007

A Santa Laranja



A pequena história de uma pessoa que conheci...

Valdivino é pedreiro, carpinteiro, encanador, vendedor ambulante e pintor. Aprendeu todas estas profissões ao longo de seus 38 anos de vida difícil. Fazendo um “bico” aqui, outro ali. Cresceu na roça, trabalhando o dia inteiro colhendo algodão. Quando enfim chegava a hora do pagamento, ficava com o dinheiro ralo na mão somente até chegar em casa. Lá mamãe Nilda recolhia todas aquelas notas sujas e colocava num saco plástico de arroz, ali era o “banco” dele, dela, do pai e de mais quatro irmãos.
Eram cinco até o último verão. Enilton, o mais novo havia se afogado no lago perto de casa. Tinha se enroscado nos em galhos submersos. A mãe chorava até aqueles dias a falta do “neném” da casa.
Mas Valdinho, como era chamado, carinhosamente ou por fim de tornar mais diminuta a auto-estima do pobre homem, continuava firme e forte. Não se casou, teve poucas relações amorosas, e sexuais também, durante a vida. Era um cara conversador. Contava muitas histórias. Alegrava a vida dos demais pedreiros e mestre-de-obras que com ele trabalhavam.
Sabia ler e fazer contas, era bom principalmente neste último. Negociava como ninguém! Era classificado como esperto perante aos demais amigos e possíveis clientes, quase que sempre do mesmo nível social dele. Vendia bugigangas importadas (do Paraguai).
Sua vida simples teve mesmo uma grande revolução, se podemos classificar este fato como grande, aos 15 anos. Nossa isso foi mesmo um grande susto. Coisa que Valdinho conta até hoje, cada vez que se põe a cotar o fato para justificar seu modelo de vida atual, todos param para ouvi-lo. Mas não é o interesse pelo fato que atrai os ouvintes. Na verdade a maioria deles já conhece a historiazinha de Valdinho. O que atrai mesmo é o aspecto de “contador de historias” dele, muito hilário, algo como quem olha para o alto, cena que lembra Stevie Wonder sem óculos, divagando. Realmente o fato deve ter acontecido, pois Valdinho parece que vê os atos em sua frente como se estivessem acontecendo naquele momento novamente. Isso da credibilidade!
“Tava eu lá, coiendo algudão, na minha né! Quando passei no meio de duas filera de prantas, vi uma fror, que linda que era aquela fror. Deu uma vontade de chera ela, daí eu parei, arranquei ela (depois fiquei cum remorso, matei a pobrezinha) e coloquei em baxo do nariz. Moço, saiu uma abeia, que pico bem du lado do zoio. Dueu que nossa, mais duer não foi o pior, pior foi memo quando incho e daí eu não enxerguei mais nada!
Desesperei na hora. Meu pai falo pra mim lava, mas agente tinha acabado de armoça e tinhamu bebido tudo a água. Naquela hora fiquei taum desesperado que fiquei cego dos dois zoio. Meu Deus do céu!!! Grito meu pai quando perguntei quem tinha apagadu as luiz. A única coisa que tinha liquido ali por perto era umas laranja da arvre que tava ali do lado da prantação. Hã, num pensei duas veiz, falei por veio i pega uma daquelas fruita, corta no mei e me da na mão.Esfregei uma metade em cada zoio, na merma hora vortei a enxerga hômi de Deus, falo serio, num é lorota...” conta Valdinho animadíssimo. Agente sempre finge que acredita para não perder o amigo, afinal quem não precisa de uma cara multiuso como esse por perto.
Se é verdade ou não, o melhor veio depois. Valdinho ficou impressionadíssimo com o poder daquele “remédio natural”, e foi procurar se informar sobre estes tratamentos, pensando não só na eficácia, mas também na economia que faria se tudo se resolvesse com coisas que ele encontrava no mato.
Ele era um jovenzinho “caipira”, mas sabia que podia contar com livros quando quisesse aprender algo. Foi até a biblioteca da cidade, e achou o que procurava. Um livro sobre vida naturalista e tratamentos por meio de plantas e elementos não modificados industrialmente. Leu. Com dificuldade. A professora da escola rural, Augusta Hufmell, uma senhora descendente de alemães muito paciente, explicava com clama, os tratamentos, os significados de palavras, os tempos verbais, enfim, praticamente lia o livro no lugar do pobre Valdivino.
Ali ele aprendeu sobre como a comida que ele comia afetava o que ele era. Nossa essa foi uma revelação traumática mesmo para ele, ficou três dias sem falar com ninguém, mas isso era porque ele falava demais sobre o assunto e todos mandavam ele calar a boca.Desde os 15 anos ele não come carne vermelha, já não comia muito antes, isso para ele foi fácil até. Não bebe pinga, cerveja e nem refrigerante, só suco e água. Come peixe, salada, e arroz integral. Mas como pobre sempre se dá mal, e a sua alegria, como diz o ditado popular, sempre dura pouco. Quando se reúne na cozinha do prédio, onde trabalha ajudando na construção, para comer com os outros pedreiros, só lhe sobra a beterraba ralada e o arroz. O cardápio sempre tem carne e as outras coisas são temperadas com “banha de porco”, tudo regado a uma boa Coca-Cola (ou Colas mais baratinhas mesmo), sacanagem com o Valdinho. Mas ele se mantém firme ao seu estilo de vida, mesmo tendo que agüentar os amigos o chamando de boi, verdureiro, come-alface, papa-prantinhas e coisas do gênero. Mas quando está sendo pejorativamente criticado, ele une forças ao evento da santa laranja que lhe trouxe a luz novamente, isso ele nunca esquece.
Conto que escrevi para a Revista Varanda, novembro - 2007 - nº 1

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