segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Os dois sentidos do ônibus

A vida que passa dentro de um ônibus é uma constante viagem de dois sentidos.

Escorado na grade verde ao lado do ponto de ônibus, começa a viagem. Ela vira a esquina. Ele olha. Ela olha. O ônibus chega. Todos entram.
Ele senta em um lugar espremido. Ao seu lado uma senhora com inúmeras sacolas. Ela permanece em pé logo a frente, ele a observa sem escrúpulos, sem desviar o olhar. Ela permanece olhando para fora, uma segunda viagem começa.
Sempre pegam aquele mesmo ônibus, ele e ela. Sempre se vêem, se esbarram, se olham, mas nunca, nuca conversam. Uma coisa quase boba pensa ele. O homem sempre deve tomar a iniciativa. Isso gera outro problema. Começa assim, hoje é somente a iniciativa, amanhã é o “braço a torcer”, o homem sempre se sujeita mais.
Ela nem olha, nem pensa, nem percebe. A prova foi difícil, está faltando demais, seu pai vai lhe matar. A vida é tão cheia de problemas para se resolver, nesta idade agente escolhe muito, escolhe até demais. Mas a seleção, que geralmente não é a “natural” as vezes retarda a percepção. Olhar demais para muitas cores, um dia te deixa daltônica, ai nada de cores, nunca mais.
O ônibus para. A senhora pede licença a ele, e quase que o esmagando com suas enormes e desengonçadas sacolas passa. A porta se abre. A senhora desce. Enfim livres dela. O lugar está vazio. O banco se torna em porta. Porta de entrada para uma conversa que a muito deveria ter começado, e hoje já deveria estar num nível avançado, não fosse a timidez dele e a indiferença dela.
“Pergunto ou não. No máximo um não, mas isso é demais, encará-la outra vez acho que jamais, a negação é a pior coisa que existe.” “Nossa não agüento mais, acho que vou sentar um pouco, esse calor ta me matando, esse cabelo ta me enchendo já, acho que vou cortá-lo, esse cara não me convida a sentar, ai... deixa, agüento mais um pouco assim mesmo.”
As coisas poderiam ser mais simples, mas ele e ela complicam, na verdade ele muito mais do que ela. Não, não. Ela é culpada também. Os dois combinam. Poucos anos de diferença. Mas dois sentimentos incessantes nas respectivas mentes impedem esta conversa despretensiosa. Que poderia se tornar ao seu longo algo extremamente pretensioso, maquinado. Mas suas mentes se atem a maquinar os contras mais do que os prós!
Falta só mais um ponto, daí ele desce. Mais uma derrota. Agora já não da mais tempo. Ele se levanta, passa por ela, e chega próximo a porta. Chegando lá, puxa a campainha. O motorista recebe o aviso, avista o ponto e para. A porta do ônibus se abre, a ligação entre ele e ela se fecha mais uma vez. Talvez amanhã. Talvez já seja tarde.
Ela continua sua viagem, desatenta, nem percebe a descida do cara que passou a viagem toda sem convidá-la a sentar. Mas isso é um mero detalhe na paisagem, grotesca e rápida por sinal. Um ponto, dois pontos, três pontos, ela desce.
Amanhã, talvez, se os intervalos de 12 minutos entre um ônibus e outro se concordarem eles se encontrem. Mas serão apenas minutos perdidos, entre dois sentidos, a apreensão e a desatenção. Nada mal, já que a insegurança, incerteza e acaso são mais valiosos e recordados do que momentos concretizados. O amor se vale mais da espera do que do fato. Mas o ônibus, este continua a sua viajem. Concreta, mas ninguém percebe. Ninguém vê. Só se lembram dos momentos gastos no ponto, a esperar, uns apreensivos outros desatentos.

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