segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Homicidas – Parte 1



ele só queria ver mais televisão, não programas selecionados, escolhidos a dedo, queria ver as merdas e sacanagens que passavam longamente nas tardes, do jeito que acontecia quando era criança. a putaria, a zueira toda, o gosto pela bobagem, pelo ócio desconstrutivo. não ficar se cobrando para tentar entender como as coisas realmente são, para que lado a terra vira, para onde essa maldita política economica vai levar o nosso pais. queria simplesmente sentar e olhar, paralisado como um tetraplégico em sua cadeira de rodas. queria fazer de seu sofá de apenas um lugar uma verdadeira cama, onde se espreguiçaria desconfortavelmente até encontrar mirabolantemente uma posição confortável. os canais eram trocados um a um até que encontrou o pior programa possível, o mais escroto e nele estacionou. o som do vizinho cortando a grama, os carros que passavam na rodovia, as malditas crianças que corriam na casa que era vizinha de fundo com seu prédio. tudo isso contribuía ainda mais para sua dificuldade de ficar inerte, vegetando. mas Roque não desistiu e se concentrou para permanecer oco.

o programa da TV era simples e bizarro, pessoas correndo atrás de porcos com coleiras coloridas ostentando a pontuação que o participante alcançaria se pegasse um deles. era simples. correr atrás do mamífero uivante, agarrá-lo em meio ao seu esperneio sem fim, o esperneio de morte, e colocá-lo dentro da pequena jaula de cerdas de alumínio estreitas. ao fim de sua caçada o participante, como era de se esperar estava todo sujo de lama e mantinha um meio sorriso em sua boca, um melancólico sorriso fingido, parecia estar feliz apesar de tudo. prêmios variavam entre pequenos, médios e grandes, sempre dados em cheques gigantes que não valiam nada (na verdade deveriam receber em dinheiro vivo atrás dos bastidores, mas o fato é que deveriam sempre receber muito menos do que era informado aos telespectadores).

depois de manear o controle e finalmente chegar ao ápice do tédio, tudo aquilo lhe causou prazer e para coroar este momento áureo, Roque correu ao banheiro, se trancou e concentrou-se mais uma vez para poder seu pau levantar e se masturbar e se contorcer até que gozasse e sentisse cãibra nas duas panturrilhas. lavou as mãos e o rosto e saiu sem emitir um único som. voltou a varanda e observou seu velho vizinho que aparava sua grama, cuidava de seu quintal, molhava suas roseiras e sentiu pena do velho, pois por sua aparência imaginava que não mais podia ter ereções, ou pior, nem quisesse mais tê-las. sentiu pena e ódio a ponto de querer matá-lo, de querer enfiar aquela roçadeira no pescoço rugoso do velho careca e ver o sangue esvair e a vítima agonizar até o último segundo, até que o último sopro de vida lhe saí-se pelo nariz, mas ao invés de correr e atravessar os cinquenta metros (ou talvez fosse 75 ou um pouco mais) que separavam do outro lado da rua, Roque apenas sorriu, um leve sorriso, um meio sorriso, que poderia dizer duas coisas, medo ou violência, falcatrua pura.



j.a.

coçando suas costas com os nós dos dedos, voltou e reclinou seu corpo magro novamente sobre a poltrona marrom, móvel de uns trinta anos ou mais que já tinha suas espumas e molas demasiadamente gastas para fornecer qualquer que fosse o descanso. o telefonema nunca vinha, tinha medo de que Santana estivesse adormecido e que pudesse ter esquecido que dali alguns minutos deveriam se preparar para guerra. a televisão e os porcos correndo atrás de mamíferos inocentes porém imundos por natureza não o entretinham mais. foi então que decidiu comer algo, foi até a cozinha e encontrou algumas bananas-maçãs maduras. contou-as em rodelas, colocou em uma tigela de plástico branco encardido e jogou sucrilhos em cima. leite e uma colher antes de voltar e sala e ligar o rádio que tocava uma música dos secos e molhados. logo trocou de estação, enojado por causa da viadagem e pelo tom prateado da voz do cantor. comeu rapidamente porém meditando em casa floco, seu gosto macio, suas nuances de forma, pequenas cápsulas doces e umedecidas.

cansado de esperar resolveu ligar para o comparsa, mesmo sabendo que esta era a milionésima vez que faria isso naquela tarde dominical e mesmo sabendo que a resposta seria a mesma - estou a caminho. O telefone finalmente toca, Roque atende, é Santana.

- Tudo pronto?
- Claro!
- Vamos cortar o corpo e jogar onde?
- Vamos queimá-lo, eu acho - replicou Roque.
- Ok, nos encontramos na frente do seu prédio - Santana repete a coordenada.
- Ok então!