quinta-feira, 3 de julho de 2008

Max, 15 dias antes de morrer - Parte 6

Finalmente a descoberta da ‘causa mortis’. Confortante noticia.



Zefa

Aquela noite no terraço, dias antes das conversas com o mendigo, da infindável e dolorosa caminhada e enfim a conversa misteriosa e reveladora com os dois senhores gêmeos, estava ainda confusa e indistinguível na mente de Max.

Como ele, na casa de seus pais, com seus momentos no terraço, um frio instigante e anestesiador, uma brisa que como nunca tocava sua janela e produzia seus sons nostálgicos, as luzes e o vazio mórbido das ruas, viera parar na capital, no dia seguinte. Adormecera no terraço e acordara em seu apartamento. Isso realmente nunca fizera sentido.

Mas, em toda aquela história, pouquíssimas coisas faziam sentido. Muitos elos haviam se perdido, um roteiro com ações totalmente, ou quase sempre, desconexas. Ele tentou por dias inteiros, até chegar próximo a insanidade, encontrar algo que o desse uma resposta concreta de como viera parar ali. Se ele realmente tivesse morrido, então como? Não sentira nenhuma dor, não tinha em seus armários mentais qualquer imagem que lembrá-se de algo parecido com uma morte.

Estava exausto, sua cabeça doía, o frio que sentia, por estar careca era insuportável, só não mais que sua angustia por estar ali, indiferente ao tempo e a vida medíocre que levara. Tudo que queria era voltar, mas como?

Com o passar dos dias, sem o aparecimento dos homens misteriosos novamente, apenas na companhia do poste, Max se via cada vez mais sem saída. Chegou um tempo em que ele começava a esquecer de tudo aquilo, conseguia, ainda que ali num lugar diferente de seu terraço ou janela, anestesiar-se. Suas lembranças, coisas pequenas, recortes de seu cotidiano, tudo isso ia se abrindo como gavetas de roupas intimas dentro de sua mente.

Um dia no parque, andado em meio a um ambiente limpo, com ar puro, muito diferente dos momentos passados nos bares e casas noturnas. Neste dia ele encontrara aquela moça, doce e carinhosa com a qual tivera sua primeira relação sexual. Tardia relação, mas acima de tudo, muito proveitosa. Quase como um aprendizado, o que o tornara muito afoito e agressivo em relacionamentos posteriores, seja nos levemente duradouros ou nos esporádicos. Nada de ir com calma, não fora isso que aprendera com sua professora, uma moça de cabelos loiros e rosto fino, com um olhar direto, desejosa de usurpar a inocência do rapaz. Ela sempre fora direto ao ponto, sem rodeios, sem preliminares, a não ser as mais prazerosas e de contatos mais comprometedores. Assim fora lhe ensinado, assim sempre procurava fazer. Algo bom para ele, ruim para muitas de suas relações.

Os filhos que planejaram com cada moça que passara em sua vida, sejam as que tivera contados amorosos ou sexuais, sejam as meramente amigas ou colegas de alguma coisa. Como seria os olhos do garotinho que teria com Elisabeth, uma de suas primeiras namoradas. Uma menina alta, com seios pequenos e uma bunda enorme, cabelos cacheados e castanhos, assim como seus olhos. Quem sabe um menino alto, com porte atlético, um esportista. Gay talvez. Beth era uma pessoa de muito carinho, mães carinhosas e super-protetoras são produtoras de gays em potencial. Não que isso fosse ruim, era apenas um detalhe.

Aquela bela arma, com tambor perfeito, como os de filmes de velho oeste, preta, com cabo de madeira. Pesada, quase não conseguia segurá-la com apenas uma mão. Mirava para o espelho, depois para o lustre, depois janela a fora, depois para a própria cabeça. Um assalto ou um suicídio? Qual era mais apropriado? A arma pendia, caia no colo dele, sentado no sofá velho de seu quarto, como arrumara a aquela arma? Nem lembrava-se mais, tinha em seu poder a tanto tempo, desde as brincadeiras no campinho da escola, os tiros nas latinhas de milho verde.

À noite no terraço, o desmaio quase hipotérmico, a perda repentina e fatal dos sentidos, a queda de cabeça na mureta que dividia o terreno de seus pais e o do vizinho, um velho bicheiro que enriquecera de forma ilegal.

- Caralho, então foi assim?

Aquele flashback foi desconcertante. Tudo estava ali, diante de seus olhos. Como aquela vez que saíra com Vlad para fumar um baseado na esquina da casa de seu amigo. Depois de tomarem uma garrafa de vinho roubada na casa do avô de Max, os dois garotos tinham ido até uma casa verde, de madeira, duas quadras da casa de Vlad, comprado a erva, enrolado e fumado. No dia seguinte Max não lembrava-se de nada. Mas aos poucos, quanto menos tentava se lembrar, para fugir de possíveis más recordações, aos poucos tudo vinha a toda, subitamente, com clareza e de maneira estranhamente detalhada.

Desta maneira que ele havia morrido, agora tudo estava claro. Ele morrera naquela noite. Isso fazia muito sentido. Tudo começara a ficar desconexo a partir dali. Fora muito rápido, traiçoeiro como uma rasteira de pula corda. Num momento ele estava lá, em cima, em sua viajem particular, no outro estatelado no chão, com a cabeça rachada, e o sangue quente e fétido a escorrer por detrás de seu corpo.

Bem, aquele limbo já estava ficando chato, não mais desesperador e sem saída, mas chato, fatídico. Seus enigmas, ou haviam ficado obsoletos ou simplesmente não tinham resolução. Max queria muito que os dois homens voltassem, não para lhes interrogar ou quem sabe agredir, mas simplesmente para ter alguém com quem conversar. Agora, anestesiado, ele aceitava tudo aquilo. Não estava nem um pouco preocupado mais. Quem sabe a preocupação, a angustia volta-se um dia, mas por hora, tudo havia passado. Bom ou ruim, ele estava à mercê de qualquer coisa. Nada mais importava. Porém, o fato é que, a verdade, era por ele sabida, pelo menos agora.


* * * * *


"Tudo aquilo foi tão rápido a ponto de ser inacreditável. Ele se foi, longamente sentido, naturalmente esquecido. Um dia escreverei algo sobre ele. Max, enfim, em paz. Ou não, em qualquer lugar que esteja suas malditas alucinações, tão reais, o seguiriam." - Diário de Vlad Constâncio

Um comentário:

Julliana disse...

elisabeth ces't moi.