“Acenda a pequena luz opaca e retenha o que puder, sempre.” – Livro dos conselhos esquecidos na edição
Caminhando pela avenida cheia eu vejo tantas pessoas.
Diferentemente de um olhar perdido e vazio, tenho uma visão meticulosa e estranha deste lugar.
Uns tão diferentes dos outros, outros mais ainda.
Devagar a senhora atravessa a rua, sua bengala e grauda-chuva.
Um dia de sol, apenas o vento frio corta e mevimenta a visão solitária.
Negors e brancos, pardos e orientais.
Perdidos numa multidão de fumaça e carros, onibus, motos, pessoas.
Orfãos de orgãos.
Sem olhos e acéfalos.
Levados pelo gosto agridoce da garoa fina. Cheiro de bueiro.
Equipados com suas pastas, bolsas, mochilas estampadas.
Cachecois envolvendo o pescoço, enforcando a angustia dos pensamentos doentios.
Matar ou morrer. Simples como a decisão pelo café e não pelo chá.
Arvores falam. O poste fala. A banca de jornais, vazia, antiga, fala.
Cheio de visões. Vazio de ideias.
Gravando cada centímetro de luz que entra pela objetiva.
A imagem perde o foco. Perde a clareza. Some desesperadamente atrás daquilo que ainda não viu.
Deite na grama. Acenda a luz opaca da esperança. Puxe-a com todas as suas forças para dentro de si.
Velhos caminham lentamente. A televisão esquece do passado.
Morte e vida. Passado. Furturo indecifrável.
Gosto da garoa. Pombas piolhentas voando e eu aqui observando.
Um tropeço. Uma queda. Fim de papo.
A avenida cheia. Cheia do vazio esbranquiçado.
Algumas pessoas vêem. Outras apenas fecham os olhos e deixam a garoa cair.
Respingos apagam a pequena luz opaca.
Eu perdi a última coisa que tinha. Engoli enquanto era revistado.
Mão na cabeça. Perdas abertas. Não se mecha.
Sinta o quanto é humilhante, ver o vazio na multidão.
Nem sempre te entendem como você gostaria.
O ônibus passa devagar e aumenta minha vergonha.
Avenda cheia. Vento corta a imagem da câmera. A objetiva cai e quebra.
Eu passo, olho, durmo e acordo, abro bem os olhos.
Passou, se acabou. Deito na grama. A esperança se acende. Eu a retenho quando ela atinge os 70 graus celsius.
* * * * *
Roupa preta, sem desviar, tropeça em todos, caminho sem fim, reto, outros o seguem... sem disputa nem pudor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário